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sábado, 5 de setembro de 2009

Crônica: Reflexões Sobre um Espelho

“A arte tem necessidade de solidão, ou de miséria, ou de paixão. É uma flor das rochas, que deseja vento áspero e terreno rude.”
Dumas Filho
“Talvez não possa viver de sonhos, mas posso tentar.”
Hermes Locke

Permitam-me que lhes conte a respeito de um jovem que conheço muito bem. Eu me lembro de quando ele tinha dez anos e leu seu primeiro livro, não que fosse realmente o primeiro que pões os olhos, de certo houve outros sendo que era um leitor precoce, mas não tenho dúvidas de que “Vice-versa” representou o ingresso dele no universo literário. O título em questão era uma coletânea de adaptações infanto-juvenis de clássicos da literatura universal acompanhada de um resumo do texto original; ali teve seu primeiro contato com “Fausto” na pele de um menino que faz um trato com o vírus do sarampo para não ir à escola. Além de “O Banquete” de Platão, “Dom Quixote” e outros títulos famosos. Foi amor à primeira leitura.
Nunca me esquecerei de como ele sugava os livros se embriagando com a seiva deles. Lembro de como voltou à biblioteca e pediu à bibliotecária que o deixasse tomar emprestados os livros grossos, não que esnobasse os finos e mais infantis, mas já os tinha lido todos. E naquele dia foi para casa saborear “Caçadas de Pedrinho”. Seis meses depois havia terminado a coleção do Sítio do Pica-pau Amarelo, mais seis meses “Cidades Mortas” e “A negrinha” faziam parte de seu repertório. Os livros de Monteiro Lobato deram inicio a uma existência dedicada à leitura.
Porém, não foi apenas o desejo de ler que despertou no garoto, ele também passou a sentir uma tremenda necessidade de escrever. Infelizmente, a gramática dele era péssima e para piorar demonstrava sofrer de uma leve dislexia. Os seus pais não apoiavam que escrevesse, parecia coisa de vagabundo, artifício de gente preguiçosa que não quer trabalhar de verdade.
Mas em certa ocasião, na quinta ou sexta série, uma professora de português chamada Gisele, ao invés de apontar os seus deslizes gramaticais, o chamou para mais perto e lhe disse: “ Você já pensou em ser escritor? Talvez, histórias fantásticas e livros para crianças.” O garoto sorriu e disse que a idéia o agradava, mentira! A possibilidade de se tornar um escritor o extasiava. Não sei se a Prof.a Gisele sabia mas naquele momento ela plantou uma sementinha de ouro em seu aluno.
Vida de escritor não é fácil, principalmente porque alguém inventou que escritor bom é escritor morto, não que seja lei, mas é tradição entregar o louro aos defuntos. Mesmo os que alcançam o reconhecimento enquanto caminham sobre a terra só atingirão a glória quando estiverem por debaixo da terra. Mas não era o Sol que o garoto buscava, somente um pouco de luz. Ele sentia que poderia dar bons frutos se encontrasse em meio à floresta uma brecha pela qual pudesse crescer. Ele tinha algo a dizer, aprenderia a dizê-lo com paixão e estava convicto que se escrevesse com sinceridade e carinho não lhe faltariam leitores.
A necessidade de se comunicar é inerente ao ser humano, mas enquanto a maioria se contenta com os níveis mais imediatos da comunicação, aqueles que aspiram à escrita são obrigados a explorar ao máximo o potencial da linguagem verbal, e muitas vezes, todas as matrizes da linguagem, tanto humana quanto da natureza. Pois um artista completo dialoga com o Universo. O garoto não perdeu tempo e não desenvolveu apenas técnica com o passar dos anos, mas também uma corcunda curvando-se sobre cadernos e mais tarde computadores e sob o peso dos livros em sua mochila.
Ele não era mais um menino, cresceu e entrou na faculdade na fé de que estudar literatura faria dele um escritor. Passaram-se sete anos, dos quais investiu seis anos e meio na criação de um romance que narrarei a seguir.

“Esta não é uma bela história, não como as que eu costumava ler quando criança. Mas se me derem à oportunidade provarei que mesmo o feio pode ser belo a sua maneira.”

Curto? Pois é, foi o mais próximo que aquele garotinho chegou de realizar o seu sonho de gerar o seu próprio romance. Se eu fosse ele acho que teria desistido e abortado este sonho. Livros parecem dar mais trabalho que filhos, melhor não escrevê-los, mas se não escrevê-los como sabê-lo?
Há muitos motivos para não ter escrito nada ainda, talvez porque é exigente de mais consigo, ou é inseguro, pode ser que a época não seja a mais apropriada, ele ainda não encontrou seu estilo, ou na pior das hipóteses não leva jeito pra ser um Autor, o que não é desculpa para deixar de publicar qualquer coisa, as livrarias e bibliotecas estão repletas de escritores funcionais. Qual o problema então?! Tenho uma hipótese, eu o observo a muito tempo e começo a desconfiar que aquilo que chama de sonho na verdade é uma obsessão. Bem, quem viver lerá.
Por enquanto, ele segue seu caminho sempre tenso captando o mais sutil sinal poético por onde passa, colecionando palavras aqui e ali, experimentando combina-las aqui e acolá. Sua palavra predileta é “vulnerável” ela o faz se sentir invencível. Mas não se restringe a colecionar verbetes, também adota sentimentos feridos que topa em suas andanças. Ele apresenta a solidão de um à solidão de outro e forma um solidário. Ele costura corações partidos com fiapos de amor eterno, oferece abrigo a uma palavra amiga e colhe os frutos da união. E do ódio virado pelo avesso faz uma paixão, da ilusão esperança e da morte ressurreição. Mas nada o comove mais que um sonho abandonado na sarjeta, seja novo ou antigo, sempre desnutrido e com frio. Ele tem um lugar especial em suas histórias para cada dádiva ou maldição que encontra no mundo. Um lugar em construção que um dia abrirá para visitação.
A Musa parece ignorá-lo, mas ele é paciente e irá esperá-la o quanto for necessário. Ele começa a polir o texto a sua frente, limpando o de cada adjetivo desnecessário, livrando das incoerências, ávido para vê-la através da página. O meu menino vê sua silhueta sob a mais profunda camada do texto e continua a polir para descobri-la. E ele a chama.
Mas ainda não será hoje que escreverá um livro que traduza seus pensamentos, expresse seus sentimentos e liberte seu espírito. Um livro cristalino que reflita a beleza interior sua e de seus leitores. Um livro digno de seus olhos.

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