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sábado, 5 de setembro de 2009

Conto: Old Woman River...

“– Às vezes me arrependo de ter conhecido você – eu disse. – Não gosto de dizer isso, mas é a verdade. Antes de você eu não sabia como era estar perto de gente deprimida.
(...)
– Estou cansada de viver e tenho medo de morrer – Glória disse.
– Ora, essa é uma idéia legal para uma música – disse James Bates, que escutou tudo. –Você podia compor uma música sobre um velho negro no rio que estava cansado de viver e tinha medo de morrer. Ele poderia estar carregando algodão e enquanto isso cantava uma música para o rio Mississipi. Ora, sei de um bom título... você podia chamar de Old Man River...”
Mas não se matam cavalos?
Horace McCoy

“A mente humana é um rio por vezes turbulento que deságua em si mesmo. Portanto, não se espante se ao tentar compreender alguém se sinta preso em um turbilhão, pois se lembre que você também és um rio, turbulento ou não.”
Hermes Locke

Uma coisa não se pode dizer de Ofélia, que não fosse determinada. Prova disso foi o episódio da ponte, na qual demonstrou muita determinação em se conservar viva. Os detalhes a seguir me foram cedidos por um conhecido da equipe forense que investigou o caso.
Na noite de sábado passado, por volta das onze horas, Ofélia, solteira de 39 anos, operadora de telemarketing, residente de uma kitnet no Centro foi vista saindo de seu prédio com uma sacola de feira indo a pé à ponte que liga o Centro com o “Bairro do Socorro”.
Em sua residência não foi encontrada uma carta de suicídio propriamente dita, mas os escritos de seu diário revelaram claramente que sofria de depressão. Segundo o diário houve tentativas anteriores de suicídio comprovadas após consultarem seus registros médicos.
Os investigadores forenses também descobriram um fragmento de papel queimado onde se podia ler somente: “...no fim da estrada encontro uma placa de Pare...” o que poderia ser tanto o trecho de uma canção ou de uma carta de suicídio. Especialistas trabalham na recuperação do restante do bilhete confiantes que ele revele o que desencadeou a fatalidade.
Outra pista que auxiliou na reconstrução dos acontecimentos foi encontrada no lixo de sua residência; um comprovante de compra da “Maratona”, loja de artigos esportivos, em que constava a corda de nylon e o alteres empregados na tentativa de suicídio. O atendente da loja se lembrou da venda feita a Ofélia na tarde daquele mesmo dia. Ela havia lhe pedido dois metros de uma corda barata, mas resistente e um peso de trinta quilos que ela levou embora com aparente dificuldade.
A família e os conhecidos de Ofélia informaram que desde a infância ela era uma pessoa desmotivada e de baixa estima, não tinha ânimo para lutar por seus sonhos que, aliás, se os tinha não manifestava. Infelizmente, como seu estado melancólico não chegava a incomodar terceiros sua condição emocional precária foi negligenciada por todos ao seu redor. Quando teve suas primeiras crises graves chegando a tomar overdoses de antidepressivos já vivia isolada e incomunicável impossibilitando uma intervenção. Os vizinhos a descreveram como aérea e incapaz de ferir uma mosca e, portanto, não fosse pela câmera de trânsito ter flagrado o salto, tomariam por um boato maldoso.
Na segunda à noite um jornal sensacionalista exibiu um resumo da gravação feita pela já citada câmera de vigilância. A imagem era preta e branca e não enfocava o ponto de onde Ofélia saltou, pegando-o de relance. As sombras também dificultavam a visão, mas com ajuda de truques de edição o jornal aperfeiçoou a gravação.
O relógio digital no canto inferior esquerdo da tela marca 23:11h quando Ofélia surge caminhando até o meio da ponte. A vemos pular a barreira de segurança, tirar a corda e o peso da sacola, amarrar a corda no peso e testar o nó balançando o peso como um pêndulo, o nó foi aprovado. O próximo passo foi enrolar a outra ponta da corda no pescoço e erguer o peso acima da cabeça para lançá-lo no rio. Mas o alteres deve tê-la desequilibrado derrubando-a da ponte um segundo antes do planejado. A gravação não dispunha de som, mas dava para imaginar que Ofélia despencou gritando e que seu grito foi cortado de repente quando se viu pendurada na ponte. Ao cair de suas mãos o peso se prendeu numa saliência da ponte enforcando Ofélia com a corda.
Especialistas alegam que foi um milagre não ter quebrado o pescoço, mas aquele foi apenas o segundo de uma série de milagres, de certo que o primeiro foi o peso ter escapado de suas mãos ou a teria arrastado para o leito do rio. O terceiro milagre foi ter sobrevivido por dois minutos pendurada pelo pescoço a se debater no ar. A gravação saltou no tempo para que não fossemos obrigados a testemunhar cada segundo do estrangulamento de Ofélia. E por mais que se esforçasse sabíamos que ela não se livraria da corda, mas ao final dos dois minutos a corda se soltou do peso e Ofélia foi engolida pelas águas negras do rio. Foi o quarto milagre.
Havia chovido muito naquele dia e o nível do rio aumentara quase um metro. A água parecia petróleo e mesmo pela gravação podia se perceber uma quantidade abundante de lixo na superfície. Caso Ofélia não morresse afogada, morreria intoxicada. Mas nem uma coisa, nem outra. Após segundos de suspense a suicida ressurgiu nadando rumo a uma das margens. Conhecidos haviam garantido que Ofélia não sabia nadar, que se quer havia entrado em uma piscina em toda a vida. Neste caso estávamos diante do quinto milagre. Porém, o round mais emocionante em sua luta pela sobrevivência ainda estava por vir.
Quando Ofélia alcançou a margem e tentou se levantar coberta de lodo caiu de costas rolando de volta para o rio. Provavelmente a corda ainda presa em seu pescoço enroscara em um tronco, um pneu ou nos dedos da Morte. E por mais três vezes tentou sair do rio, mas este a puxava de volta em um jogo macabro de cabo de guerra, de um lado o Rio turvo e gigantesco e do outro, Ofélia, a mulher mais fraca e desmotivada do planeta. Pois na quarta tentativa ela o venceu caindo de boca no barranco enlameado que margeava o rio. O sexto milagre.
Nós vimos à mulher escalar o barranco e se deitar de costas sobre uma moita de capim navalha, planta que cobre as margens do rio. O seu corpo não se movia o que nos fez pensar que havia nadado tão bravamente para morrer de exaustão. De súbito um espasmo, ela respirava, arfava, vivia! Os movimentos de seu peito se estabilizaram e nós a acompanhamos se arrastar para fora do campo de visão da câmera.
O ancora que comentava a gravação disse que aquela foi uma lição de perseverança para todos em casa que seguiram a odisséia de Ofélia. Mas o melhor estava por vir, enfatizou com um tom melodramático.
Passaram uma nova gravação parecida com a anterior, contudo, o relógio digital marcava vinte minutos depois. Vimos à mulher retornar ao ponto do qual caiu e amarrar a corda novamente no alteres e no pescoço. Nós bem apertados, mergulhou de cabeça abraçada ao peso. Passaram-se os minutos e nada veio à tona. O rio seguia seu curso indiferente, e nós o nosso confusos.
Os mergulhadores prosseguem com a busca. Mas Ofélia parece determinada a não ser encontrada.

Um comentário:

  1. Meu conto preferido, sem sombra de dúvidas...não é facil escrever uma estória sem um final feliz e fazê-la ficar tão perfeita....Parabéns!!

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