Seja bem-vindo ao mundo de Acalanto!

Caso goste de algum dos textos postados por mim saiba que estão liberados para qualquer espécie de publicação, desde que se observe as seguintes condições: 1ª citar autor e fonte, 2ª não alterar o texto, 3ª apenas para fins culturais, 4ª não associar a ideologias e 5ª me informar antes.
Agradeço pelo tempo dedicado as minhas histórias que de agora em diante pode considerar como nossas.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Resenha: "A Batalha do Apocalipe" a maior história de todos os tempos

A literatura fantástica nunca mais será a mesma após a "Batalha do Apocalipse" de Eduardo Spohr. Foi com muita desconfiança que iniciei a leitura deste que viria a se tornar um de meus títulos preferidos - olha que eu já li quase dois mil livros nos últimos dezesseis anos, mas nada parecido com as aventuras do anjo Ablon. Foi com imensa alegria que constatei ao final da última página que não era apenas mais uma bobagem viral. Para minha surpresa, estava presenciando o nascimento de um clássico da Literatura Universal.

Não vou resumir a história, direi apenas que o sub-título: "da queda dos anjos ao crepúsculo do mundo" não exagera nem um pouco. Preparem-se para uma odisséia inesquecível através dos séculos, uma jornada sem precedentes na história da literatura, ao menos não em um único volume. Pode ser que haja algo que lembre "A batalha do Apocalipse", mas não que se iguale.

Antes que os amantes do Prof. Tolkien me apedrejem permitam-me que explique que o "Senhor dos Anéis" ainda é o livro de fantasia mais bem escrito quanto à linguagem. Porém, Tolkien escrevou com extremo capricho uma história simples que ele mesmo gostava de se referir como um conto de fadas muito longo, já o Eduardo Spohr como um mero mortal deu o seu melhor para escrever um épico incomensurável. É perfeito? Já disse que ele não é Tolkien. Gostei de tudo? Também não, mas isto não muda o fato de que este foi o livro "popular" mais bem escrito que já li. Uma prova de que um livro não tem que ser um lixo literário para virar um best seller.

Contudo, não se deixem enganar pelo meu discurso inflamado. Este livro é uma obra que exige fôlego e dedicação para se ler. Não recomendo para quem gosta de leitura fácil, daquela que dá pra ler meio dormindo. Recomendo aqueles leitores que amam livros longos com centenas de personagens, uma porção delas complexas e sedutoreas, que vivem uma história rica o suficiente para ser digana de ser chamada de "Saga".

Além da aventura hiper-emocionante aos moldes de um misto de "Cavaleiro dos Zodiaco" com "Dragon-ball Z" também há um pano de fundo cultural que permeia as 589 páginas do livro. Caramba! a impressão que dá é de se estar lendo uma biblioteca inteira sobre os mais diversos assuntos, com especial atenção para temas como teologia, sociologia, antropologia, filosofia, história, arqueologia e linguagem em geral, é claro, nada aprofundado, apenas pincelado aqui e ali entre um diálogo e outra, mas o suficiente para um leitor atento aprender algo a mais sobre a vida.

Mas o que realmente me impressionou foi a forma como o autor construiu sua própria mitologia mesclando com perfeição tudo que a imaginação e a crença da humanidade pode lhe oferecer como matéria-prima. Spohr conseguiu tapar todos os buracos e desatar todos o nós, não há contradição teológica para qual não tenha arranjado um "remendo" plausível. Agora é esperar o James Cameron unir forças com Spielberg para lançarem no cinema uma versão decente da maior história de todos os tempos.

Perdoem minha empolgação, mas só lendo para compreender a dimensão desta obra. Desejo uma boa leitura e um bom apocalipse para todos vocês!

sábado, 16 de outubro de 2010

Resenha: " O Livro de Tunes - Destino"

"Diria-se um cometa chocando-se com uma flor", isto é mais que belo, isto é Dhyan Shanasa, e não se deixe enganar pelo nome, trata-se de um autor nacional e dos mais talentosos. E é emocionado, ainda embriagado pela poeticidade de seu primeiro livro que escrevo esta resenha.
Um pequeno grande livro, eis "o Livro de Tunes - Destino", primeiro volume de uma trilogia que há de se tornar um marco na literatura fantástica nacional. Imitando um maneirismo do autor, Dhyan Shanasa, "diria que" nenhum outro livro chegou tão próximo da trilogia do "Senhor dos Anéis" quanto esta modesta pérola literária de 214 páginas.
A primeira vista, o cenário medieval-fantástico em que a trama se desenrola parece uma provincia da Terra-média, as personagens idem e o argumento sub-produto dos romanes de RPG: salvar à donzela, recuperar o artefato mágico e derrotar o Mal. Resumindo, um menino chamado Tunes é dado como oferenda a uma bruxa chamada Patelle, mas ele foge e unido com uma espécie de deusa-menina irá confrontar o Sauroman de saias para livrar seu mundo do mal. Até então, nada demais.
Contudo, um leitor sensível nota logo no primeiro parágrafo que não está diante de um texto comum, desses que se limitam a enredos desgastados e a uma prosa aguada. Basta uma ou duas páginas de leitura para identificarmos seu estilo lírico e suave, além das escolhas certeiras de condução da história que arremata o leitor.
Shanasa é um artista dos mais dignos, daqueles que buscam a perfeição de forma quase obsessiva. Profetizo que um dia tal obra-prima será reconhecida como uma das mais valiosas contribuições literárias de nossa língua. Mas,para não perder o costume, aponto uma minúscula nódoa na obra de Shanasa. A primeira edição apresenta meia dúzia de erros de digitação que se contrapõem ao perfeccionismo do autor, deslizes bobos que certamente serão corrigidos na próxima edição. Então, poderei afirmar sem receios que o "Livro de Tunes-Destino" é a jóia mais bem lapidada que já tive o prazer de apreciar como leitor.
Por favor, Shanasa publique logo o segundo volume!!!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Comentário: escolas literárias e a dificuldade de se definir a tendência atual

Este comentário foi feito por mim originalmente no blog: http://carolchiovatto.wordpress.com de minha cara amiga, Carol Chiovatto. Achei interessante e decidi postar aqui também.Porém,esta versão foi complementada com um parágrafo a respeito da diferenciação entre gêneros literários e escolas literárias.

Acredito que a classificação por escolas literárias ainda é válida. A questão é que um estudioso da área necessita de um distanciamento de no mínimo uma geração para poder classificar uma "tendência" como "escola" de forma segura e aceitável pela Acadêmia. No presente, podemos observar e catalogar modismos e com sorte prever uma possível tendência cultural. Já um verdaderio zeitgeist ( espírito de época) somente passado um século ou mais. A escola em que o indivíduo observador está inserido pode até receber selos provisórios, mas será sempre e simplesmente a "escola atual", não vale "contemporânea" e nem "pós-moderna", pois há controversias, justamente pelo aparente boom de multiplas formas de se expressar artisticamente que pipoca diariamente mundo a fora nos mais diversos setores da Arte.
Lembrando que "agrupar" autores e obras nas chamadas "escolas" é um recurso estritamente prático-didático. Não há e nunca houve um consenso a respeito dessas classificações, que querendo ou não são projeções da mentalidade de uma época em oposição a outra, o que por si só já constitui uma injustiça histórica pela análise estar contaminada por preconceitos próprios da época do analista.
É ilusório crer que as ditas escolas são criadas pelos autores e identificadas pelos estudiosos, pelo contrário, são os teoricos que constroem a escola na prática, as obras são suas peças e suas ideias as ferramentas, aos autores resta reconhecer ou rejeitar tais ideias que uns julgam limitadoras e outros, reflexo inofensivo de uma sociedade pragmática.
Saramago não admitia rotulos, a Ligia Bojunga Nunes também não gosta de ser taxada de autora infanto-juvenil. Já o Moteiro Lobato se orgulhava de seus estigmas literários. Machado criticou os modismos de Eça de Queirós para adotá-los em seguida - e melhor que seu desafeto. Até José de Alencar que será eternamente (será?) lembrado pela virgem de lábios de mel (quem mesmo?) cursou outra escola como podemos "ver" no "céu fluminense" (Senhora). Resumo da ópera: por mais que pretendam ter um caráter cientifico, as classificações literários são e "solamente" uma tentativa por parte de teoricos e professores de domar à subjetividade estética e liberdade criativa em prol das cartilhas - ok, há também uma "boa intenção" de facilitar o aprendizado dos alunos. Mas a verdade é que de longe as escolas perdem contorno e se fundem diante de nossos olhos em "literatura universal", mas a reciploca tambem é verdadeira, e a medida que no aproximamos e fazemos uma análise mais detalhada vemos que há mais diferenças entre os livros de um mesmo autor do que entre escolas divergentes.
Porém, rotular a Arte e tudo mais que provem do homem e da natureza é um recurso legitimo e sine qua non à memória da humanidade. A generalização é um mecanismo natural da mente humana que permite a esta converter elementos extremamente complexos em algo mais simples e favorável ao raciocínio, nem que para tanto seja necessário "racionalizar" para forçar a uma lógica. Generalizar é nossa forma de adaptar o caótico a priori a uma ordem a posteriori. Contudo, no caso da literatura, "gênero" e "escola" não se equivalem, tratam-se de conceitos que se completam, mais ainda assim, distintos e que por vezes se cruzam, geralmente causando confusão.
O gêneros literários são os romances, novelas, contos, peças teatraise etc., e se quisermos ir mais longe, sob o nome de gênero textual podemos seguir ad infinitum, incluindo na conta desde cartas, relatórios,resenhas até a próxima invenção textual. Já as escolas pretendem agrupar autores e obras de estilo semelhante pertecentes a uma mesma faixa histórica, tais obras e autores devem dialogar quanto à tecnica, tema e mentalidade. A filosofia que permeia à obra e a forma que a caracteriza como fruto de uma árvore diferente, porém, de um mesmo canteiro no pomar das musas é o que dita os limtes de uma escola literária. E nada impedi que autores de uma mesma escola adotem genêros literários sem qualquer semelhançca entre si, desde que um únio espiríto literário seja compartilhado por todos, mesmo que em menor grau pelos chamados autores fronteiriços.
Concluo com uma estorieta que ouvi no Fantásticon 2010 ( não me lembro de quem, apenas de que foi algo que leram em um livro). Há um conto de ficção cientifica que nos fala de alienigenas que ao visitarem nosso planeta em um futuro distante exploram as ruínas de nossa civilização e ao termino do estudo de toda nossa cultura preparam o brevissimo relatório: "Por volta do ano 1 da Era Cristã nasceu um homem importante para a humanidade, depois seguiram-se um milhão de anos sem nada de relevante a ser registrado até a extinção da mesma". A uma conclusão semelhante chegou uma personagem também alienigena de Douglas Adams em o "O Guia do Mochileiro das Galáxias" ao sentenciar após uma década de "pesquisa" que o verbete "planeta Terra" no Guia não merecia mais que um "praticamente inofensiva". Isto é, com o distanciamento temporal e de mentalidade, tudo fica fácil de se "reduzir" a um mero termo genérico ou a uma definição rala e pretenciosa - mas inevitável - mesmo um universo riquisimo em sentido como o literário. Portanto, não devemos nos surpreender, caso daqui a cinquenta anos, olharmos para trás e sobre o efeito de uma epifânia descobrirmos que o século XX foi uma "coisa só", multifacetada por fora, mas homegenea por dentro, e que se não haviamos notado o obvío não foi apenas porque estavamos imersos nele, mas principalmente porque o "obvio" eramos nós. E eis que de uma hora para outra veremos toda aquela ebulição cultural tragada por uma expressão movediça como "relativismo conceitual".

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Resenha: "O Vale dos Anjos" O torneio dos Céus-Parte I

Dimitris Saloustros é um grego que morre precocemente aos 22 anos e do Além promete a sua amada esposa que retornará para seus braços nem que para isso tenha que partir o Céu em dois. Auxiliado pelo divertido Obelisco, um anjo-guia-de-enterro, e pela doce cupido Anne, Dimitris vivera uma série de aventuras no Paraíso para cumprir sua promessa. Contudo, há mais desafios e perigos no caminho do jovem herói do que ele sequer suspeita, o que não impedi que seus feitos abalem o outro mundo e culminem em um torneio a la “Dragon Ball Z” pra ninguém botar defeito.

Eu tive a oportunidade de conhecer Leandro Schulai, autor de “O Vale dos Anjos”, e admito que não sei o quanto de seu carisma (o cara é tipo Neil Gaiman) afetou minha leitura, mas me esforcei para ser imparcial.

Logo no inicio há um prólogo com clima de mistério pra instigar o leitor. Em seguida, somos apresentados rapidamente à cativante personagem principal que de cara morre e pronto – começa a aventura. Infelizmente, após os três primeiros capítulos há uma queda no ritmo da narrativa para que o autor passeie conosco por seu “paraíso particular” e apresente as personagens coadjuvantes. Uma pausa incomoda , mas necessária. Do meio para frente, agora com a atmosfera consolidada e as personagens bem definidas, a história recupera o fôlego até atingir seu ápice em um torneio sobrenatural com tons de anime.

Creio que o romance tenha como ponto alto sua linguagem ágil e envolvente que não decepcionará leitores adeptos de best-sellers como “Crepúsculo” e “Harry Potter”. Outro ponto ao seu favor são as personagens que herdaram a simpatia do autor, mas que por vezes soam demasiado caricatas.

O livro carece de concisão e aguardo ansioso para conferir o amadurecimento d’ “O Vale dos Anjos” em sua segunda parte. E é inegável que o desfecho impressiona e deixa um gostinho de quero-mais, porém espero que o Leandro conclua o torneio no próximo título e reserve os demais (seis no total) para novos desafios na pós-vida de Dimitris (guardem este nome).

Resumindo: aventura sobrenatural meio chik-lit, descontraída e empolgante. Ideal para ler no transporte de volta para casa após um dia longo de trabalho ou encostado a um travesseiro para atrair bons sonhos. Recomendo para o público jovem e para quem aposta que os anjos são os novos vampiros, e com ressalvas aos que curtem romances espíritas, não se trata de um propriamente dito, mas pode ser lido como um sem problema algum.

Enfim, mais uma promessa literária que desponta no universo fantástico nacional com o frescor e deslizes comuns aos jovens estreantes desta difícil arte de tornar sonhos em realidade.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Crônica: Viagem insólita

Na ocasião de uma breve passagem pela cidade de São Paulo vivi uma série de epifanias e gostaria de relatar ao menos uma. A experiência em questão ocorreu em um onibus circular que peguei do Centro Velho para Campo Limpo na Zona Sul.
Era horário de pico e fui obrigado a viajar de pé espremido com mais uma centena de trabalhadores como sardinhas em uma lata. Invoquei este clichê apenas para demonstrar o quanto precária pode ser esta comporação. Sardinhas não compartilham de uma sensação termica de 53 graus de calor humano. Elas viajam até nossas mesas mergulhadas em uma saudável e refrescante solução de ômega-3 enquanto o paulistano cozinha no suor público. As sardinhas dormem embaladas pelo silêncio hermético de seu ataúde metalico. Já os paulistanos enlouquecem ao som da filarmônica de pistões, buzinas e conversa de comadres. Com a exceção dos que obstruem os ouvidos com fones e celulares, imagem esta que evocava visões de minha infância no sítio onde apenas as bestas de quatro patas usavam tapas, espécie de venda que auxilia o patrão na condução dos burros. Mas deixando latas e carroças de lado voltemos ao ônibus.
Como todo leitor compulsivo que se preze sempre trago um livro comigo como bóia de salva-vidas - leitor prevenido não morrre de tédio - e daquela vez trazia um livro chamado "Portal-2001", antologia de contos científicos que mexeram comigo mais que o "balance" do circular. Foi então que, entre uma página e outra, vi uma moça devorando sem pudor algum o "Crime e Castigo" ao lado de um rapaz que lia o "O Último dos Olimpíanos". Eles pareciam distantes, mas não como seres alianados, mas como astronautas que por ousar voar alto conseguem abarcar o mundo em único olhar.
Naquele ponto, lágrimas escorriam causadas por um conto chamado "Herdeiro dos Ventos" que fala justamente de como a literatura nos proporcina romper barreiras e voar alto.
O protagonista de Herdeiro dos Ventos é um "passageiro da vida" como todos nós, mas diferente da maioria ele não passa a viagem dormindo ou com os olhos fixos em um único ponto, ou pior, pensa o tempo todo no final da viagem, nada disso! Ele desfruta da paisagem, ele consulta seu guia, ele dialoga com o passageiro sentado ao seu lado. Ele aproveita a viagem viajando enquanto a maioria de nós fica parado e se deixa levar. Sempre havera quem critique os herdeiros dos ventos acusando de sonharem acordados, mas eu digo, nessa vida ou se sonha acordado ou se anda dormindo. Cada um que escolha o seu bonde.
Quando surgir a oportunidade de ficar preso por uma hora no trânsito de S. Paulo aproveite para explorar e apreender. Eu por exemplo descobre este belo costume da leitura no onibus e metro, mesmo que não seja dos mais saudáveis para as vistas e dos mais seguros para as bolsas. Falo por mim, quando afirmo que o prazer da leitura vale correr qualquer risco, o que não podemos é correr o risco de não ler.
Naquela viagem contei dezesseis pessoas lendo. Pode parecer pouco se comparado com o número muito superior de passageiros que não estavam lendo,concordo, mas ao menos empatava com a quantidade de passageiros que posso dizer com certeza que desfrutavam da viajem. S. Paulo é muitas coisas, boas e ruins, mas a imagem que me marcou foi a de uma cidade que lê.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Comentário: Nada a declarar

Impressionado e incomodado com a enxurrada de pseudo resenhas que infestam a net resolvi também entrar na dança por desaforo. já que no oceano do anonimato (ou da fama instantânea se preferir) vale até pichar páginas inteiras com pixels sem sentido por que eu deveria negar ao mundo a oportunidade de degustar minhas abobrinhas? Também sei dizer nada com nada e reclamo minha porção neste latifúndio. Creio que não seja difícil entrar para a prostituição intelectual. Com um pouco de esforço também posso rasgar seda por quem não julgo digno da mais áspera folha higiênica. Restando-me apenas lamentar por aqueles que vagam as cegas por estes mares virtuais a procura de especiarias como resenhas e ensaios que não se limitem a resumos e ao senso comum.
Cuidado, oh livre espirito! Lembre-se que uma opinião sólida é própria tanto do sábio quanto do tolo e tanto o ouro quanto o chumbo são tragados pela mais rasa das mentes.
Há oasis de coerência lá fora sem dúvida, mas não busque por pérolas nesta ostra. Eu sou só mais um a roubar seu tempo com uma piada sem sentido e que, se o Google quiser, vai virar hit como tudo que não presta. Falei!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Mapa do Tesouro

O Mapa
do
Tesouro

de
MLMAnjos
Janeiro de 2010






Índice

Introdução pg.04
Cap.1: “Férias molhadas” pg.05
Cap.2: “A arca da felicidade” pg.09
Cap.3: “O mapa” pg.12
Cap.4: “Os preparativos” pg.15
Cap.5: “Olho-de-Peixe” pg.18
Cap.6: “A Rosa dos ventos” pg.21
Cap.7: “Nas profundezas do esgoto sem fim” pg.25
Cap.8: “Matusalém” pg.28
Cap.9: “Vovô a bordo” pg.32
Cap.10: “O bicho geográfico” pg.35
Cap.11: “Sorvete por toda parte” pg.38
Cap.12: “Todo Guloso” pg.41
Cap.13: “O Expresso Borbulhante” pg.44
Cap.14: “A palavra mágica” pg.47
Cap.15: “O verdadeiro tesouro” pg.50
Cap.16: “A irmã do Todo Guloso” pg.54
Cap.17: “Não há lugar como nosso lar” pg.57
Epílogo pg.61
Apêndice pg.63
Introdução

Era verão e o Sol dormia até mais tarde, talvez porque nessa época do ano era obrigado a fazer serão e a brilhar depois das seis – inclusive aos domingos e feriados. Mas naquele dia o Sol perdera o horário completamente, pensavam as irmãs Borges, pois já havia passado da hora do almoço e não havia sinal do astro no céu nublado.
Laira de oito anos era morena de pele clara, robusta de bochechas salientes e cabelo volumoso e solto. Já Duda, sua irmã caçula de sete anos, era baixa e magra, mais morena e trazia o cabelo preso em um rabo de cavalo. As duas suspiravam ajoelhadas no sofá estampado da sala com os cotovelos apoiados nele; observavam entediadas gotas de chuva baterem no vidro embaçado de uma janela como insetos em um pára-brisa. Na parede atrás delas um gato de plástico balançava sua calda e tiquetaqueava como se dissesse “nunca mais, nunca mais” aborrecendo as irmãs. Na janela gotículas continuavam a escorrer como lágrimas.
– Aiii!!! Se eu fosse o Sol eu também ficaria em casa num dia desses – disse Duda, a menorzinha, suspirando.
– E para piorar a “força” acabou – disse Laira também suspirando.
Realmente não havia energia devido a danos causados a rede elétrica por uma tempestade na noite anterior. Mudanças bruscas e acentuadas de clima como aquela se tornavam rotineiras em toda parte do mundo. De manhã fazia calor, a tarde ventava e a noite geava, ou ao contrário, ou ainda, tudo acontecia de uma vez só. Era o que os adultos chamavam de “tempo maluco”. Para as irmãs Borges deveria se chamar “estraga-prazeres”.
O gato achatado na parede marcava uma hora com seus bigodes esticados e duros. Enquanto estivesse caindo uma gota d´agua as meninas permaneceriam confinadas em uma casa sem TV e internet.
Ao longe, trovões ameaçavam uma nova pancada de chuva. Laira e Duda já haviam sido obrigadas a almoçar com velas, e com mais chuva a vista não tinham esperanças de que houvesse uma luz no fim do túnel. As irmãs estavam convictas de que seria um dia úmido e sem graça.
Felizmente nem sempre estamos certos. Às vezes nos esquecemos que são nos dias chuvosos que surgem os arco-íris. Não que isto tenha alguma importância para os que não enxergam além das aparências. Mas para quem vê um castelo em um punhado de areia, e um foguete em uma garrafa de refrigerante, um arco-íris se mostra como realmente é: uma ponte para um lugar mágico.
As irmãs Borges, por exemplo, identificariam um castelo de areia equilibrando-se na linha do horizonte no mais nublado dos dias.












Cap.1: “Férias molhadas”

Apesar das irmãs Borges estarem de férias e normalmente “férias” significarem tempo livre e diversão, as meninas se sentiam presas e entediadas.
Não havia muito o quê fazer em uma casa sem “luz”, restando apenas recorrerem às velhas brincadeiras do tempo da vovó, mas mesmo estas exigiam, além de boa visibilidade, espaço pra correr e pular a vontade – algo fora de questão. A última vez que brincaram de pega-pega dentro de casa quebraram um vaso de flores e ficaram de castigo. Não que serem obrigadas a ficarem paradas em um canto “pensado” fosse fazer alguma diferença para elas nas condições atuais.
Ler seria uma opção – seria. Infelizmente, apenas Laira sabia ler um pouco, e livros em casa para leitores da idade delas eram escassos. Para agravar o tédio a previsão era que choveria por mais dois dias como se o tempo quisesse obrigá-las a hibernar como ursinhas no inverno. Mas se as irmãs fossem ursos certamente que seriam da espécie do Zé Colméia, preferindo caçar uma aventura em vez de ir dormir. E uma aventura das grandes não demoraria a aparecer. E um adulto seria o responsável.
Mas não seria a mãe das meninas que estava sempre ocupada com os afazeres domésticos e o artesanato que montava em casa. Nem o padrasto que saia cedo para trabalhar e geralmente fazia hora extra voltando tarde ao lar. Portanto, durante uma boa parte do dia as crianças ficavam sob os cuidados da irmã mais velha chamada Daiane, a quem caberia aprontar a aventura.
A moça trabalhava à noite em uma videolocadora e ficava cansada demais pra brincar com elas de dia. No período das aulas era simples porque as suas irmãs estudavam de manhã e elas se viam apenas à noite quando ia lhes dar um beijo de boa noite. Porém com as férias a Daiane tinha que se virar nos trinta para entreter as irmãs. E elas como todas as crianças saudáveis transbordavam energia e não lhe davam trégua. A moça tinha que ser criativa para distrair as peraltinhas. Desenhos animados estavam fora de cogitação devido à queda de energia e tinha que ser algo que pudesse ocupá-las sem exigir a supervisão de um adulto.
Na noite passada Daiane recordou de um velho baú com objetos antigos de sua avó e que sua mãe planejava jogar fora. “Talvez haja algum brinquedo empoeirado lá que possa entretê-las por uma tarde”, pensou em sua cama. Mas o baú conhecido na casa como a “arca da vovó” era só um pretexto para oferecer as meninas uma distração ainda maior. Naquela manhã, Daiane madrugou para realizar seu plano. Ela pegou tinta nanquim e uma folha grande de papel e desenhou um mapa nela. Depois fez algumas anotações inspiradas em uma história que ouviu em sua infância – não se lembrava exatamente do quando, nem do onde, apenas de que envolvia guloseimas. Ao final de uma hora a moça contemplou sua obra-prima.
– “Não, ainda falta alguma coisa. Mas o quê?” – pensou alto com uma mão no queixo enquanto admirava seu trabalho. – Já sei! – disse de súbito virando de propósito o resto de uma xícara de café que repousava em sua escrivaninha em cima do papel; amassou a folha com as mãos e não só amarroto-a como também a rasgou em um ponto e outro deixando a folha irreconhecível. – “Agora sim!” – disse orgulhosa admirando aquela coisa parda que lembrava um pergaminho recuperado de alguma tumba milenar.
Naquele mesmo dia quando as suas irmãs foram procurá-la para brincar a moça lhes disse o seguinte:
– Meninas, vocês se lembram daquela antiga arca que era da vovó?
– Aquela no quarto de despejo e que não devemos mexer? – perguntou Duda.
– Aquela mesma – confirmou Daiane. – Pois podem abri-la e brincar com o que encontrarem lá dentro.
– Sério?! – disse Laira ao mesmo tempo animada e desconfiada.
– Sério, mas cuidado para não quebrar coisa alguma. Tudo que está guardado na arca é muito antigo e frágil, portanto, tratem com zelo e carinho o que encontrarem lá. Combinado?
– Combinado! – apressou-se em dizer Laira. – Mas por que você não abre a arca com a gente e brinca também?
– É? Por quê? – perguntou Duda também desconfiada.
– Porque achei que gostariam de brincar de exploradoras e sem um adulto por perto seria mais emocionante. Não concordam?
– É, faz sentido. Vamos Duda – disse Laira puxando a caçula.
– Um instante crianças – chamou Daiane. – Tomem a chave da arca – disse afastando a chave antes que a Laira pudesse pegá-la. – Mas primeiro me prometam que terão cuidado para não se machucarem. Se alguém se cortar com metal enferrujado vai tomar injeção. Combinado meninas?
Elas assentiram com a cabeça, pegaram à chave e foram correndo vasculhar a arca a procura de algum tesouro perdido. “E quem procura acha, caso contrário, ainda se pode criar”.
Daiane foi descansar em seu quarto sem sequer suspeitar que suas irmãs estavam prestes a encontrar um tesouro de verdade.



Cap. 2: “A arca da felicidade”

Dentro da arca as meninas encontraram uma incrível coleção de quinquilharias. Havia uma boneca de porcelana com um vestido empoeirado e bochecha rosada; havia uma coleção de vidrinhos vazios de perfume, um mais lindo que o outro, eram de cristal ornamentado e ainda exalavam um leve aroma do conteúdo há séculos evaporado. As meninas também encontraram um prato de porcelana com um brasão real desenhado nele e lascado na beirada. E assim como o prato tudo no interior da arca parecia danificado ou desgastado pelo tempo e uso. Fragmentos de memória que sobreviveram – mais ou menos – aos seus donos e foram esquecidos pelas novas gerações.
Mas estes exemplos eram apenas a ponta do iceberg, quanto mais as irmãs escavavam mais preciosidades descobriam. Elas se comportavam como paleontólogas que ao se depararem com um osso não enxergavam simplesmente um pedaço de cálcio seco, mas viam claramente um dinossauro correndo pela floresta balançando sua calda em perseguição a um mamífero indefeso. E com o poder da imaginação eram capazes de devolver a vida aos objetos encontrados na velha arca, inventando para cada artigo uma história, um passado, uma aventura.
E foi examinando cuidadosamente o conteúdo da arca que as irmãs Borges encontraram dois artefatos realmente curiosos. O primeiro era o mais danificado dos itens, alguém o havia espatifado reduzindo-o a cacos brancos de um lado e rosa do outro. Era uma espécie de quebra-cabeças que Laira ignorou de imediato, mas que chamou a atenção de Duda que se empenhou em montá-lo com cola caseira.
Enquanto a mais nova estava entretida com a tarefa de encaixar as peças de seu novo brinquedo a outra se ocupava com uma lata de biscoitos. Ela era tão antiga que não dava mais para reconhecer o desenho desbotado que outrora a ilustrava. E a tampa estava presa e não queria soltar.
– Deixa essa lata pra lá, Laira. – aconselhou Duda que queria ajuda para montar seu quebra-cabeça de porcelana.
– Não mesmo, escute. – pediu Laira chacoalhando a lata e produzindo o som abafado de algo leve se batendo no latão da embalagem. – ouviu? – perguntou para a irmãzinha.
– Sim, mas o que é? Biscoitos?
– Só se forem biscoitos petrificados. Mas deve ser algo de grande valor ou não teriam guardado tão bem. Quem sabe se tentarmos abri-la juntas? Eu seguro a lata e você puxa a tampa – sugeriu.
– Eu ajudo se você me ajudar primeiro a montar meu quebra-cabeça. – disse Duda mostrando a coisa remendada no chão da qual já surgiam às feições de um animal quadrúpede e rechonchudo.
– Tá bom, me passe a cola então. – disse Laira se sentado ao lado da irmã extasiada. – E segure com jeito esses cacos senão terá que tomar injeção – disse a mais velha experimentando juntar dois pedaços.
Quinze minutos depois as meninas haviam reconstituído um porquinho de porcelana oco. A aparência dele não era das mais saudáveis e para melhorá-la Duda aplicou três adesivos curativos da Turma da Mônica.
– Que pena, está faltando um pedacinho nas costas dele. – lamentou Duda. – Já sei, vou tampá-lo com mais um adesivo.
– Não Duda, isso daí é pra ficar aberto mesmo. Acho que montamos um cofrinho em forma de porquinho. Não é uma gracinha? Feinho o coitado, mas uma gracinha.
– E vai se chamar Chouriço. – disse Duda.
– Por mim tudo bem, mas que tal alimentá-lo com moedas? Ele parece faminto. Ai voltamos à lata. – sugeriu Laira.
– Mas nós não temos moedas. E agora o coitado terá que passar fome? – perguntou Duda preocupada com o seu mascote.
– Procure direito que deve haver moedas antigas em algum lugar nesta arca. – disse Laira dando o exemplo vasculhando-a até o fundo.
Infelizmente as meninas não encontraram nenhuma moeda na arca.
– E agora, Laira? O que faremos? Nós trouxemos o Chouriço de volta, portanto é nossa obrigação alimenta-lo.
– Calma Duda, vai ver ele é vegetariano e prefira cédulas. Nós podemos desenhar algumas e... espere! Olha o que achei. – disse Laira mostrando uma bolsa de costura cheia de botões.
– Deixa eu ver – pediu Duda. – Que botões lindos!
Era uma bolsa de costureira com centenas de botões de todas as variedades, a maioria de latão dourado, tinha também de madeira e ossos no formado de flores e até de animaizinhos esculpidos.
– Duda, nós podemos fazer de conta que estamos visitando um país distante e exótico que usa botões em vez de moedas, que tal?
– Perfeit... bem, antes temos que ver se os botões agradam o paladar do Chouriço – lembrou Duda depositando um botão no cofrinho. – Tenho a impressão de que ele gostou – disse Duda.
– Maravilha, voltemos então à lata de biscoitos – disse Laira animada.



Cap. 3: O mapa

Laira segurava a base da lata firme e Duda cravava as unhas na borda da tampa puxando com força. De repente quando já estava desistindo de puxar sentiu a tampa deslizar, mas não dava mais tempo para se equilibrar e assim que a tampa se soltou elas caíram sentadas no chão.
– Aí! É melhor que tenha valido a pena Laira. – reclamou Duda coçando o bumbum dolorido.
– Vejamos – disse a irmã pegando um rolo de papel que caiu da lata.
Elas se sentaram de pernas cruzadas ao lado da arca e verificaram o que era aquilo. Laira desenrolou devagar a folha que parecia delicada. Elas perderam a voz ao reconhecer do que se tratava. Era um mapa e no alto dele havia o desenho de um monte de jóias e a inscrição “Mapa do Tesouro”. O que não era muito original.
– Duda! Estamos ricas! – gritou Laira tampando a própria boca logo em seguida.
– O que foi? – perguntou Duda confusa com o gesto da irmã.
– Temos que manter segredo, Duda.
– É, pode haver piratas procurando pelo nosso tesouro.
– Piratas não sei, mas fiscais do governo e parentes interesseiros certamente. E hoje em dia tem todo tipo de ladrão de tesouros procurando roubar mapas de crianças como a gente – disse Laira.
– Então devemos contar o que achamos para a Daiane ou para a mamãe.
– Também não. Eu proponho fazermos uma surpresa. Imagina a cara delas se aparecêssemos em casa com uma tonelada de diamantes?
– Elas iriam ter um troço – disse Duda.
– Relaxa Duda, nós mostramos a tonelada aos pouquinhos, uns dez quilos de diamantes por dia até elas se acostumarem em serem ricas.
– Ai sim – concordou Duda. – Mas como faremos para encontrar o tesouro?
– O Mapa diz que temos que encontrar um arco-íris primeiro. Está escrito que “uma caminhada de quarenta e dois passos nos levarão ao arco-íris e este a uma rosa e a rosa ao tesouro”.
– Mas e o arco-íris? Não vejo nenhum – disse a pequena preocupada.
– È dia de chuva. Todos os caminhos dão em um arco-íris, confie em mim. – explicou Laura confiante.
– Não sei não, e se o tesouro estiver em um país distante?
– Bem, aqui está escrito que o tesouro está na “Ilha Borbulhante” no “Deserto de Flocos”.
– E onde fica isso?
– No “Continente Confeitado” depois do “Mar de Li... Limonada” – leu Laira incrédula.
– E como faremos para atravessar esse mar?
– Há instruções no mapa e a primeira diz que a jornada para encontrar o “Tesouro Esquecido do Capitão Gagá” começa em um arco-íris onde devemos encontrar a “rosa” – Entendeu Duda? Nós temos apenas que seguir as instruções e a tal “rosa” nos indicará o caminho. Mas antes temos que nos preparar para a viagem.
– Acho que a mamãe vai ficar preocupada com a gente.
– Nós deixamos um bilhete. E aposto que estaremos de volta antes do jantar. Agora me ajude a juntar algumas coisas da arca nas nossas mochilas escolares para darmos início à caçada ao tesouro.
As meninas estavam empolgadas de mais com a viagem para pensarem muito no que deveriam levar ou não, por isso pegavam o que encontravam pela frente e enfiavam em suas mochilas de qualquer jeito.
– Duda, cadê os botões que estavam dentro da bolsa? – perguntou Laira virando a bolsa de costura pelo avesso sem encontrar um botão sequer.
– Eu não sei – respondeu Duda. – Você sabe de alguma coisa Chouriço? – perguntou ao seu mascote quietinho em um canto e suspeitamente mais rechonchudo do que um minuto atrás.
– Duda, quer apostar que o Chouriço comeu os nossos botões? – disse Laira levantando o cofrinho e chacoalhando-o. – Repara em como ele esta fazendo um barulho de quem se empanturrou com botões.
– Você fala, Laira, como se conhecesse o som de alguém que acabou de se empanturrar com botões – retrucou a caçula defendendo seu mascote.
– Ah... tá! – resmungou Laira atrapalhada com o argumento da irmã. – Não faz mal o Chouriço ter comido nossas economias, pois se os botões eram nossas moedas não vejo melhor lugar para guardá-las. E mais, vai ser divertido quebra-lo quando tivermos que usar as moedas – disse de brincadeira, assustando o porquinho que pulou no colo da Duda.
As meninas não notaram, mas aquele já não era mais um dia comum.










Cap.4: Os preparativos


Daiane acompanhou discretamente os preparativos de suas irmãzinhas para a “viagem”. Observou as meninas andarem pela casa escura com cara de quem vai aprontar, mas fez que não percebeu nada de anormal. Aliás, a moça estava tão satisfeita pelo seu plano estar dando resultado que tinha se esquecido que o objetivo era justamente entreter suas irmãs para que pudesse descansar. A curiosidade era tamanha que em vez de repousar preferiu espiar pela janela de seu quarto os rumos que a brincadeira estava tomando.
A garoa cessara finalmente e Laira e Duda pegaram suas mochilas escolares e levaram para o quintal nos fundos da casa. Lá juntaram os itens mais curiosos da arca. Laira ficou com a maior parte por ter quase o dobro do tamanho da irmã apesar de ter apenas um ano e meio a mais do que a Duda. Esta tinha a mochila cheia também, porém com artigos leves como uma toalha para um eventual pic-nic e um kit de primeiro socorros que se resumia a algodão, band-aid e água oxigenada. O item mais pesado era sem dúvida seu mascote Chouriço que ganhou peso após sua refeição de botões. Duda trazia o porquinho aninhado em seus braços feito uma boneca de pano, ou melhor dizendo, de porcelana.
– Pronto, acho que é só. Podemos ir – declarou Laira pondo a mochila nas costas e com o mapa em mãos.
– Espere – pediu Duda correndo para dentro de casa.
– Onde você está indo? - perguntou Laira sem obter resposta.
– Aqui está – disse Duda retornando com um pacote de biscoitos que tentava sem êxito guardar em sua mochila já cheia.
– Bem lembrado. Os biscoitos podem salvar nossas vidas caso não encontremos alimentos no “Continente Confeitado”, apesar de que seria estranho um lugar com um nome desse não ter nada de comer – comentou Laira. – Mas seria bom se levássemos água. – e dizendo isso foi buscar uma garrafinha com água gelada na cozinha deixando sua irmã ocupada em arranjar espaço em sua mochila para a caixa de biscoitos.
Daiane que assistia a tudo da janela de seu quarto pensou em intervir na brincadeira para confiscar a caixa de biscoitos pega sem permissão, mas não queria estragar a brincadeira das irmãs.
Laira escreveu um bilhete com giz de cera azul em uma folha de sulfite que dizia “Fomos ao Mar de Cristal. Não se preocupem. Voltamos para o jantar. Beijos!” com dois rostinhos sorridentes desenhados embaixo com os nomes das irmãs. Depois prendeu o bilhete na geladeira com um imã e voltou ao quintal com Duda para darem início à caçada ao tesouro.
A mãe das meninas que acabara de chegar do supermercado viu o bilhete na geladeira e olhando pela janela da cozinha viu as filhas andando como patas no quintal cobertas por um mapa tão grande quanto a Duda.
– Uai, o que deu nessas meninas?! – pensou alto, mas antes que pudesse sair para perguntar as meninas o que se passava foi impedida pela filha mais velha que surgiu de repente.
– Não vá lá fora mãe – pediu a moça.
– Por quê?! Você pode me explicar o que está acontecendo aqui?
– Posso sim. É o seguinte, elas estavam entediadas e eu muito cansada para brincar, então inventei um “mapa do tesouro” para distrai-las. E pelo jeito a Laira e a Duda estão adorando a brincadeira. É claro que no fundo elas sabem que é tudo faz-de-conta. No máximo o que farão é abrir um buraco no gramado.
– Um buraco!? E você acha pouco?
– Adivinhe só mãe, a energia voltou. Vamos assistir TV enquanto as meninas brincam. – convidou puxando a mãe para a sala.
– Esta bem, mas irei responsabilizá-la se as meninas bagunçarem o quintal. E espere um minutinho, me parece que as danadinhas estão brincando no quintal molhado com as mochilas de ir à escola. Isso também foi coisa sua, Daiane? – disse a mãe brava.
– Não, mas não posso me intrometer na fantasia delas agora. E mochilas e peças de roupas sujas é um preço barato a se pagar para vermos as meninas felizes. Ou se esqueceu de como elas estavam chateadas na hora do almoço?
– Você me convenceu, Daiane – disse a mãe acompanhando-a até a sala para assistirem televisão. – Mas eu jurava que a cara feia delas era porque as forcei a comer legumes – disse a mulher saindo da cozinha.
Caso tivessem dado uma última olhada pela janela talvez mãe e filha tivessem visto as meninas desaparecerem em uma poça d’agua formada pela chuva junto ao muro no fundo do quintal.









Cap. 5: “Olho-de-peixe”

O mapa diz que devemos caminhar quarenta e dois passos até encontrarmos um arco-íris – explicou Laira para sua irmã caçula.
– Eu não estou vendo nenhum arco-íris – disse Duda.
– Uh, vejamos – murmurou a mais velha perturbada com o comentário realista. – Eu não tenho certeza, mas só é possível dar tantos passos indo para o fundo do quintal.
– Mas Laira, será que quarenta e dois passos não é muito até o muro?
– Não custa experimentar, Duda. Me siga.
Laira recuou até o ponto mais distante do muro que era a porta da cozinha e começou a contar os passos, mas na metade deles já havia alcançado o paredão e ensopado os pés numa poça d´agua.
– Você tem razão Duda. O ponto de partida onde um arco-íris e uma rosa nos esperam deve estar no quintal vizinho – lamentou Laira baixando a cabeça tristonha.
Duda se aproximou da irmã e a abraçou para consolá-la quando Laira teve uma revelação.
– Como fui boba! Como fui boba! – repetia saltitando.
– O que foi? O que foi? – perguntava Duda curiosa.
– Olha o desenho dessas pegadas no mapa – disse mostrando a folha para a irmãzinha. – Reparou como essas pegadas são pequeninas? Pois só podem ser suas, entendeu? São quarenta e dois passos seus e não meus.
Deste modo as meninas recomeçaram o procedimento recuando até a porta da cozinha e a cada passo a ansiedade aumentava. “Será que desta vez a distância seria coberta no espaço do quintal?” Elas se perguntavam à medida que se aproximavam do muro. Felizmente Duda deu seu último passo na beirada da poça em que Laira se molhou.
– E agora? – perguntou Duda impaciente.
– Agora procuramos um arco-íris e depois uma rosa – disse Laira ciente da inexistência de roseiras no quintal.
Elas olharam e olharam, mas não viram nenhum arco-íris e pétala alguma de rosa. Passaram-se alguns minutos e a brincadeira começou a perder a graça. Laira temia que a irmã desistisse da aventura. Mas antes que a Duda perdesse o interesse pela brincadeira as nuvens se abriram e um arco-íris desceu do céu mergulhando na poça do quintal.
– Arco-íris? Confere – disse Laira animada como se estivesse conferindo uma lista invisível. – Falta encontrarmos a rosa, Duda. Duda?
A caçula não ouviu a irmã, entretida com uma coisa arredonda do tamanho de uma bola de futebol que emergiu na superfície da poça d´agua. Ela podia jurar que aquilo apareceu com o arco-íris.
– O que é aquilo? – perguntou Duda apontando para a coisa que boiava lentamente na direção delas.
– Eu não sei, mas parece inofensivo. Deve ser uma bola meio murcha que algum moleque jogou por cima do muro enquanto estávamos distraídas.
– Mas não espirrou água, Laira – reparou Duda. – Será que não é um sapo? Credo! – disse fazendo careta.
– Não é bicho, Duda. Veja – disse a menina pegando com as duas mãos a coisa que parecia uma bola de futebol americano. – O que é isso?! – espantou-se Laira ao notar que a coisa estava ligada por um tipo de cabo dourado como aqueles de orelhões e que saia da poça.
De repente a bola piscou revelando um gigantesco globo ocular e Laira pode ver no reflexo da íris um restinho de almoço preso em seus dentes. Ela imediatamente largou o olho deixando-o cair e espirrar água ao aterrissar na poça, em seguida limpou o dente discretamente com a língua.
– Hei! Mais cuidado! Querem cegar o meu periscópio? – disse uma voz feminina e brava vinda do olho que havia se levantado como uma serpente marinha.
– Laira tem alguma coisa a mais saindo da poça – disse Duda abraçada ao seu porquinho.
As meninas viram uma escotilha emergir logo abaixo do olho e dela sair uma moça com roupa de capitão. A moça era jovem, bela e tinha uma voz encantadora, porém séria.
– Não há o que temer jovens aventureiras. Eu sou Rosa e este é “Peixuxa”, meu submarino e viemos ajudá-las na caça ao tesouro. Mas é melhor nos apressarmos se quiserem retornar a tempo para o jantar.
A moça fez um gesto com as mãos e o olho enrolou seu cabo nas meninas e as puxou para dentro da escotilha. Elas não tiveram tempo de protestar, quando deram por si já estavam confortavelmente acomodadas na barriga do Peixuxa.
– Que maneira de começar uma aventura, não é? Engolidas por um submarino. Imaginem o que virá depois. – comentou a capitã guiando-as pelo interior do Peixuxa que se mexia estranhamente como se estivesse... vivo.






Cap. 6: “A Rosa dos Ventos”

Eu sou Rosa dos Ventos, também conhecida por “Louca de Pedra” porque zombo do perigo – disse dando uma piscadela. – E vocês são Laira e Duda, correto? – disse riscando dois nomes em uma lista presa a uma prancheta.
– Correto – respondeu Laira. – Você estava nos esperando?
– Evidente que sim. Eu sou a guia dos “aventureiros” e este tem sido meu papel desde que o Capitão Gagá esqueceu de seu tesouro.
As irmãs Borges ainda não haviam assimilado aquele papo de guia e o lance do peixe-submarino. No entanto não dava para não simpatizar com a Capitã, uma pequena grande mulher, baixa em estatura, não mais que um metro e sessenta, porém tão cheia de alegria, determinação e outras qualidades que contagiava o ambiente. Porém, de perto seus olhos castanho-escuros pareciam turvados lá no fundo, no leito da alma, por uma dor antiga. E ela sorria como se quisesse disfarçar seu sofrimento.
– As duas devem estar se perguntando o que está acontecendo? – disse a capitã cruzando um corredor estreito com as irmãs.
– Na verdade, gostaria de saber se estou sonhando ou acordada – disse Laira abismada com o que via.
– Eu também – emendou Duda que tentava acalmar o Chouriço que só aquietou quando sua dona o deixou se esconder em sua mochila.
– Garanto meninas que não há diferença – a moça começou dizendo. – Estar dormindo, estar acordado, tanto faz. É tudo sonho, a vida é uma seqüência de sonhos, uns mais reais do que outros, mas nunca tão sólido que se sustente caso deixemos de acreditar neles. E coisas estranhas, as vezes maravilhosas, acontecem a todo momento em algum lugar do mundo com alguém. Adivinhem, é a vez de vocês terem um dia fantástico.
– Quer dizer que você irá nos levar até a Ilha Borbulhante para recuperar o tesouro esquecido do Capitão Gagá? – perguntou Laira.
– Prometo levá-las próximo à costa, depois disso terão que descolar uma nova carona. Mas não se preocupem encontrarão muitos amigos pelo caminho – é obvio que também não faltarão inimigos. Mesmo porque não tem a menor graça uma aventura sem inimigos. E torço para que topemos com alguns, pois o Peixuxa e eu não nos exercitamos faz tempo. – disse a moça entrando na ponte de comando que era uma cabine ampla com duas janelas redondas tão grandes quanto às paredes.
– Uau! – suspiraram as meninas.
Na frente delas desfilavam milhões de peixes multicoloridos e de todos os tamanhos e formas. Havia polvos, águas-vivas, tartarugas marinhas e arraias entre outras criaturas aquáticas que as irmãs conheciam apenas da televisão.
– Dizer que esta cena é simplesmente bonita seria um insulto à natureza, ela é magnífica e infelizmente raríssima. – informou a Capitã. – Mas deixemos os assuntos tristes para quando estivermos de estômago cheio. Que tal tomarmos lanche da tarde? Topam?
Laira e Duda se entreolharam e concordaram sorrindo que um lanche seria formidável.
– Fantástico! – exclamou a capitã. – Será uma ótima oportunidade de nos conhecermos – disse apertando um botão na parede que fez uma mesa retrátil surgir do chão e se montar sozinha. – E falando em se conhecer, as senhoritas ainda não se apresentaram. Digo quem é Laira e quem é Duda, aliás, pensei que Duda fosse um menino – disse a Capitã.
As meninas riram da confusão da Rosa e se apresentaram formalmente. Mas a Capitã parecia distante, centrada em algo que via pelas grandes janelas.
– Algum problema? – perguntou Duda estranhando o comportamento da Capitã.
– Não se preocupem meninas. É que estamos entrando no “Mar de Esgoto” e terei que assumir o comando da nave pessoalmente. Com licença – disse Rosa se levantando e repondo seu chapéu de capitão que havia retirado para lanchar. – Mas, por favor, fiquem a vontade e aproveitem o lanche.
Rosa apertou outro botão na parede e três tigelas brotaram na mesa acompanhadas de talheres. E do teto desceu uma espécie de caldeirão que mãos mecânicas depositaram no centro da mesa. Uma das mãos mecânicas retirou a tampa e liberou um aroma quente de sopa. As garotas se decepcionaram ao constatar que se tratava de sopa, o sabor não sabiam, e não dava para perguntar para Rosa que estava concentrada guiando o Peixuxa por águas escuras.
– Eu pensei que iríamos comer bolinhos e tomar chocolate quente. Aposto que é de legumes! Não basta termos almoçado legume? Também temos que comê-los como sobremesa?– reclamou Duda que ficara enjoada só de sentir o cheiro gorduroso da sopa.
– Devemos ao menos provar por educação. – disse Laira também contrafeita, mas explorando assim mesmo o caldeirão com uma concha. – Hei?! – gritou Laira segurando a concha com ambas as mãos sem poder retirá-la do caldeirão.
– O que foi? A sopa está marrenta?– perguntou Duda fazendo piada.
– É sério Duda, tem alguma coisa segurando a concha. Nossa!...
Laira ficou boba ao ver uma porção de tentáculos saírem do caldeirão e agarrarem ela e a irmã.
– De novo não! – gritou Duda.
Na superfície da sopa surgiu um bico de polvo e ele parecia faminto ou no mínimo muito irritado. Provavelmente ofendido por ter sido confundido com uma sopa de legumes.
– Algum plano Laira? – perguntou Duda a meio caminho de mergulhar de cabeça no bico escancarado do polvo.
Laira que estava sendo chacoalhada no ar tinha um plano sim de como escaparem daquela situação cabulosa.
– Rosa! Socorro! O lanche quer nos devorar! – gritou para a Capitã.
– Agora não querida. Estou ocupada desviando de lixo. – respondeu Rosa sem se virar. – E não fale de boca cheia querida – acrescentou.
– Aperta o botão! – gritou Duda para sua irmã.
– “Bem lembrado” – pensou Laira chutando o ar e a parede até acertar o botão. E tão rápido como surgiu a mesa desapareceu com seu fruto do mar letal.
– Meninas, a mãe de vocês não ensinou que é feio “brigar” com a comida? – comentou Rosa vendo as irmãs no chão. – Ok , não teve graça, acho que meu ensopado não cozinhou direito. Mas tenho boas notícias. – disse empolgadíssima.
– O quê? – perguntaram as irmãs ainda pálidas pelo susto anterior.
– O radar captou um monstro marinho se aproximando! Não é fantástico? – perguntou aos rostinhos apavorados.




Cap. 7: “Nas profundezas do esgoto sem fim”

O Peixuxa havia entrado no “Mar de Esgoto” onde só se podia navegar com o auxilio de radar devido à escuridão de suas águas.
– Crianças, não costumo vir para essas bandas porque o contato com águas tão poluídas não faz bem ao submarino, enferruja suas escamas, entope o distribuidor e embaça os visores. Entretanto é um atalho para se chegar ao Mar de Limonada. E, além disso, é uma excelente oportunidade de vermos um monstro marinho – explicou Rosa.
– Segundo essa tela, tem um bem a nossa frente. – disse Laira vendo um desenho piscar no painel de navegação.
– Eu não vejo coisa alguma. – comentou Duda feliz por não poder ver o tal monstro.
– Não se desespere querida – disse Rosa interpretando mal o comentário de Duda. – Posso resolver isto com um bater de palmas – disse a capitã batendo palmas com animação.
Imediatamente luzes se acenderam na ponte de comando que também estava escura lançando um jato de claridade pelas janelas. A luz acertou em cheio a carranca de uma criatura gigantesca com dentes do tamanho de postes telefônicos que vinha nadando furiosa na direção do submarino.
– Assumam seus postos tripulação e preparem-se para o combate! –ordenou a Capitã Rosa.
As meninas permaneceram onde estavam hipnotizadas pela visão da coisa monstruosa que disparava para cima delas como um torpedo esfomeado.
– Alô! Alguém em casa?! É com vocês meninas! – gritou Rosa despertando as irmãs e mostrando-lhes os lugares que deveriam assumir. – Prendam os cintos de segurança e observem as janelas a frente de vocês – instruía a Capitã. – Há dois botões redondos no painel abaixo da janela, o azul aciona um farol e o vermelho dispara cargas de sabão. Atirem sem dó!
O monstro não esperou que as meninas assimilassem as instruções e começou o ataque impiedoso. Ele devia ser dez vezes maior que o submarino e tinha o formato de serpente. Tentava abocanhar o Peixuxa ou se enrolar nele, mas o submarino desviava-se com destreza recorrendo a manobras evasivas surpreendentes. Já as meninas não conseguiam mirar na criatura para acertar suas cargas de sabão.
– Capitã Rosa, movendo-se assim não dá para acertar o monstro – gritou Laira.
– Sem problema. Darei um jeito de ficarmos pertinho do monstro. – disse Rosa desligando os motores.
As meninas não acreditaram quando perceberam que o submarino havia estacionado. “A Capitã seria louca?” pensaram consigo. O monstro que vinha perseguindo a nave não perdeu tempo e a abocanhou engolindo-a. Houve uma forte turbulência e faíscas saltaram dos painéis e as luzes piscaram enquanto o Peixuxa era pressionado pelos músculos do esôfago da serpente marinha.
– Perto suficiente? – perguntou Rosa para as irmãs que não acharam graça.
– Acho que perto demais. Se dispararmos as bolhas agora as cargas detonariam o submarino também – explicou Laira.
– Posso resolver isso também. – disse Rosa apertando um grande botão roxo com a mensagem “ Não aperte” escrita embaixo.
As irmãs Borges se encolheram a espera de outra rodada de turbulência, mas nada de violento aconteceu. Aparentemente o único efeito de Rosa ter apertado o botão roxo foi pararem de deslizar pela goela do monstro. “Talvez tivesse liberado uma âncora” pensaram as meninas que desconheciam o detalhe de que diferente dos navios, submarinos não possuíam ancoras.
– Relaxem meninas. O Peixuxa está inchando como uma bexiga de festa e quando eu mandar deixem o dedo pressionando o botão vermelho que disparará um jato continuo de espuma. E sairemos voando daqui.
A turbulência retornou com a Serpente se debatendo para se desengasgar. Pelas janelas podia se ver a boca logo a frente se abrindo.
– Agora! – gritou Rosa.
As meninas apertaram os botões simultaneamente e encheram o esôfago do monstro com um oceano de espuma. O submarino saiu meio desnorteado a mil por hora deixando a figura da Serpente se retorcendo nas trevas do Mar de Esgoto. Rosa tomou o controle da nave e logo estavam em águas límpidas novamente.
– Foi divertido, não foi? – a Capitã perguntou às irmãs.
– Acho que vou vomitar. – disse Laira.
– Deixa disso, a diversão está só começando – anunciou Rosa.
– Sem querer ser chata – disse Duda, mas vai demorar muito ainda para chegarmos no Mar de Limonada?
– Vejamos... vejamos. Chegamos! – informou a Capitã consultando um GPS.
– Legal, eu quero provar um gole desse mar. – disse Duda lambendo os lábios com cara de gula. – Lá de onde viemos o mar é salgado e não se pode beber.
– Infelizmente ou daqui também não dá pra beber, está sujo. É o que acontece quando nos esquecemos de cuidar dos oceanos, mas isto é só um aperitivo indigesto para o que verão no Continente Confeitado. E só como curiosidade, saibam que o Mar de Limonada nem é de limonada.
– Não? do quê é então? – perguntou Duda.
– É de maçã verde. Mas vocês conseguem imaginar um lugar chamado “Mar de Suco de Maçã Verde”?

Cap. 8: “Matusalém”

Quanto mais tempo às irmãs passavam naquele admirável mundo novo mais impressionadas ficavam. E estavam ansiosas por descobrir qual a próxima surpresa que as aguardava, a qual não demorou em se revelar.
– Rosa, você irá nos levar até o litoral? – perguntou Laira consultando o mapa do tesouro.
– Lamento marujas, mas as águas litorâneas são rasas demais para o Peixuxa. Mas sem estresse, como guia de vocês tenho a obrigação de mantê-las no caminho certo e ajuda-las a superar os obstáculos.
– Então como faremos para terminar a viagem? – perguntou Duda aflita.
– Já providenciei uma carona – tranqüilizou-a Rosa. – Irão estranhar um pouco no início viajar no Matusalém, mas logo se acostumarão com o cheiro. O durão é ter que aturar aquela tosse do Capitão Gagá – Matusalém? Tosse? Explique-se melhor, por favor. – pediu Laira.
– É o seguinte meninas, logo acima na superfície tem um navio pirata. O velho Matusalém, tão antigo e decrépito que se passaria muito bem por um navio fantasma. Ele está sob o comando do Capitão Gagá, um velhinho que gosta de brincar de pirata, mas que é incapaz de fazer mal a uma mosca. Aconselho a entrarem na brincadeira dele, farão um velho feliz e ainda ganharam uma carona até a terra firme.
– Mas Rosa, esse Capitão Gagá por acaso é o mesmo que enterrou o tesouro que estamos caçando? – perguntou Laira.
– É sim – respondeu secamente como se isso não tivesse importância. – Mas ele não enterrou, a lenda diz que ele esqueceu o tesouro. Portanto, basta não que não toquemos no assunto.
As meninas anotaram mentalmente que não deveriam tocar no assunto enquanto estivessem na presença dos piratas e se aprontaram para emergir. Rosa acionou alguns mecanismos e o Peixuxa flutuou até a superfície. A escotilha foi aberta e as irmãs puderam ver o céu novamente.
– Meninas me deeem um beijo e um abraço – disse despedindo-se de suas passageiras. – Ali vem vindo o Matusalém – disse apontando uma caravela caindo aos pedaços e que avançava cambaleante exibindo uma bandeira desbotada e remendada que um dia foi negra com o desenho de um esqueleto.
– Será que não seria mais seguro irmos nadando? – sugeriu Duda que não sabia nadar.
– Quem sabe de perto não seja tão ruim, Duda – disse Laira otimista.
– Vai por mim, de perto é pior – disse Rosa se divertindo com a situação. – Agora tomem esses salva-vidas – disse empurrando as meninas para a água. – Laira e Duda foi um prazer conhecê-las. Voltaremos a nos ver em breve, mas no momento tenho que correr para ajudar três amigos a cruzarem o “Mar Incandescente”. E confiem em mim, não as deixaria com piratas se corressem algum perig... – e sumiu por trás da escotilha que afundava na água.
– Mais que guia louca fomos arranjar.
– Mas ela não mentiu – disse Duda. – Isto não é limonada e se for de maçã, então está vencido – reclamou cuspindo o suco que entrara em sua boca.
As irmãs ficaram boiando por alguns minutos até serem resgatadas pelos piratas do Matusalém. Uma inusitada tripulação de velhinhos tortos e rabugentos. Os pobres piratas fizeram uma modesta algazarra no convés para receber as irmãs presas em uma rede de pesca que haviam lançado sobre elas, mas mal começaram a pular, balançar os braços e gritar e já estavam todos tossindo e reclamando das articulações e reumatismos.
– Coitadinho dos vovôs – comentou Duda. – Aquele no canto está pescando com vara sentado em uma cadeira de rodas e aquele outro deve usar fraldas para adulto – disse apontando para um pirata afastado do grupo de calças inchadas e que parecia estar se aliviando de pé.
– Não aponte que é feio, Duda. Lembre-se devemos tratar bem os mais velhos principalmente os mais velhos. De qualquer forma temos que fingir estarmos apavoradas e enganá-los para nos levarem ao litoral. Então...
As irmãs foram interrompidas pela gravidade que as puxou para o assoalho do convés sem cerimônia assim que alguém soltou as amarras da rede. A primeira coisa que as meninas fizeram ao se recomporem do tombo foi verificar o conteúdo das mochilas.
– Não quebrou nada na minha mochila e na sua Duda? O Chouriço deve ter virado caco de novo.
– Bem que podia – disse Duda olhando brava para o porquinho que estava com a cabeça pra fora da mochila com ar levado. – Dá pra acreditar Laira!? Esse pestinha comeu todos os nossos mantimentos, inclusive a caixa de biscoito. E quando digo a “caixa de biscoito” quero dizer que o Sr. Chouriço devorou os biscoitos e a caixa. Feio! Porco feio! – repetia pertinho do focinho do suíno que aproveitou para lambê-la carinhosamente. – Quem eu quero enganar? Não dá para ficar brava com este pedacinho torresmo. – disse beijando o seu focinho e fazendo as pazes.
– Isso explica o porquê dele ter ficado quietinho no submarino. E eu que achava que fosse por medo. – ia dizendo Laira.
– Desculpa interromper – disse um pirata com chapéu de três pontas, a conversa parece estar boa, senão se importam são minhas prisioneiras e gostaria que seguissem a etiqueta, isto é, encolhendo-se e pedindo clemência ou irão desmoralizar meus “rapazes” – disse se referindo ao “clube da terceira idade” que se arrastava pelo convés.
As meninas não tiveram que adivinhar que aquele pirata era o capitão, pois havia um crachá em seu casaco. Todos tinham crachás para caso se esquecessem do nome ou posto. Neles também estavam anotados os horários em que deviam tomar os seus remédios. Mas aquele pirata em especifico realmente se destacava entre seus colegas “dinossauros”. Ele devia ser o mais alto com cerca de dois metros, mas era tão curvado que sua cabeça ficava a um metro do chão e sua corcunda não permitia ver o que havia atrás dele. No nariz de ameixa ostentava lentes redondas e grossas como fundos de garrafa, ele usava um andador para se locomover e tinha um papagaio empalhado sobre o ombro direito.
– Creio que estamos diante do lendário Capitão Gagá? – arriscou Laira fingindo-se admirada.
– Cagá!?! Mas será que não se ensina mais bons modos as donzelas hoje em dia?!? – reclamou o capitão revelando que sua audição também já havia vencido o prazo de validade há séculos.







Cap. 9: “Vovô a bordo”

– Eu disse “Gagá” – repetiu Laira.
– Hen? – fez o capitão pondo uma mão em forma de concha no ouvido. – Não importa. As duas são minhas prisioneiras e espero que se comportem como tal. E como que é mesmo que prisioneiras devem se comportar? Eu ando meio esquecido atualmente. – perguntou aos seus comparsas que deram de ombros tão esquecidos quanto.
– Laira, os vovôs estão ruins da cabeça – disse Duda com dó.
– Vai vê é falta de vitaminas – comentou a mais velha.
– Mais que tanto cochicham donzelas? Estão conspirando para fugir, é? – perguntou o capitão.
– De forma alguma “vossa capitania” – disse Laira achando que esta fosse a forma correta de se tratar um capitão –, nós comentávamos apenas como seu barco é magnífico.
– Pinico? Por favor, alguém apresente a comadre para esta menina – ordenou o Capitão Gagá.
– Não queremos incomodar Capitão. Deixe a comadre descansar – disse Laira achando que a comadre fosse a madrinha de alguém. – Capitão, eu e minha irmã gost... hei capitão acorde! – chamou Laira despertando o pirata que cochilou no meio da conversa.
– Ah? O quê? Onde? E quem são vocês? – acordou assustado.
Laira estava cansada daquele diálogo maluco.
– Posso tentar? – pediu Duda para a irmã.
– Bem, pior não pode ficar – disse cedendo a fala para a caçula.
A menina deu uma tocidinha antes de começar e um dos piratas ofereceu um xarope para ela. Duda recusou educadamente o remédio e disse para o capitão:
– Eu me chamo Duda, na verdade quem me chama são os outros – acrescentou, e esta é minha irmã mais velha... mais velha não, do meio, pois também tem a Day que não gosta de ser chamada de velha e...
– Duda, vá direto ao ponto. Está deixando-os confusos e a mim também – observou Laira impaciente.
– Certo, certo. Capitão, nós procuramos um tesouro...ops!
Aquela palavra surtiu um efeito revigorante na tripulação que rejuvenesceu por um instante reacendendo o brilho dos olhos embaçados pela catarata.
– A mocinha por acaso disse “tesouro”? – disse o capitão e demais piratas repetiram a palavra em coro.
– Quando interessa os senhores ouvem até demais. Minha irmã disse que procuramos um “besouro” – arriscou Laira improvisando uma mentira.
O Capitão fez cara de desconfiado e sacando uma bengala que trazia numa bainha de espada balanço-a sobre a cabeça das meninas. Outros tentaram imitá-lo, mas alguns que dependiam das bengalas para ficar de pé caíram sentados no convés.
– Não me façam de tolo! Coff! Coff! – gritava e tossia o capitão. – Vocês têm um tesouro e é melhor passa-lo ou sentirão o gosto de minha lâmina... digo, de minha bengala! Coff! Coff!
– Teremos que mostrar o mapa para eles – disse Laira baixinho para Duda. – Desta vez não tem escapatória.
– Não desista ainda, Laira. Eu nos meti nessa confusão, eu resolvo – Veja lá o que você vai fazer. Esses piratas não parecem ter senso de humor. – disse Laira depois que um deles tentou assustá-la rosnando pertinho do seu rosto até sua dentadura saltar da boca e cair no mar.
Duda riu da cena enquanto retirava sua mochila encharcada de suco de maçã e abria todo o zíper.
– Pode sair chouriço. Não seja tímido. – disse para o porquinho que colocava o focinho molhado para fora e investigava o ambiente.
– Que espécie de plano é esse Duda? – perguntou sua irmã intrigada.
– Já vai ver. Vamos chouriço. Diga olá ou ronc-ronc para os vovôs. E não esquenta que eles devem comer apenas mingau e gelatina.
Ouvindo isso o porquinho tomou coragem e saiu da mochila e pulou no colo de sua dona.
– O que esse porco tem a ver com o tesouro?! Por acaso ele fareja ouro como fazem os porcos franceses que caçam trufas na floresta? – indagou o capitão.
A menina se distraiu um pouco imaginando que na França bombons recheados davam como frutos nas florestas, mas estava apenas confundindo a sobremesa com outro tipo de trufa, um cogumelo que também era muito saboroso.
– O Chouriço não precisa caçar tesouro algum. Ele já encontrou muitos e os guarda dentro de si. Posso demonstrar se alguém entre os senhores puder me emprestar um laxante.
Praticamente todos no convés levantaram a mão se oferecendo para ceder um pouco de laxante. Pelo jeito não era só as meninas que estavam presas no Matusalém, o intestino dos piratas também.
Duda deu um vidro de laxante para o Chouriço cheirar e guloso como era engoliu o vidro inteiro. Depois um porco fez careta, grunhiu e esperneou, mas era tarde, o remédio começava a fazer efeito. E na falta de um toalete para suínos o Chouriço recorreu à mochila largada no chão para obter alguma privacidade enquanto atendia o chamado da natureza.
Cap. 10: “O Bicho Geográfico”

Chouriço saiu da mochila e se deparou com os piratas vidrados nele como se fosse levantar voo a qualquer momento.
– Não precisa ficar constrangido, bobinho – disse Duda pegando a sua
mascote no colo. – Vovô, é todo seu. Mas não vá gastar tudo de uma vez com fixador para dentadura – disse passando a mochila para o capitão.
O velho pirata examinou a mochila e ficou maravilhado com o que viu. Ele se virou e anunciou à tripulação:
– O Capitão Gagá conseguiu novamente! Esta mochila está cheia de moedas de ouro e florzinhas também. Embora o cheiro não seja dos mais agradáveis creio que ele vale o resgate de um rei – dizia orgulhoso.
– Parabéns Duda por pensar rápido – elogiou Laira afagando a cabeça da irmã.
– O Chouriço fez a parte mais difícil – lembrou Duda.
– É verdade – concordou Laira. – Parabéns para você também Chouriço – e fez um cafuné nele também.
– Atenção tripulação! Coff! Coff! – voltou a dizer o capitão. – Já temos nosso tesouro, nos resta cuidarmos das donzelas indefesas.
– Cuidar como? No sentido de nos mostrar nossos camarins e nos servir um refresco? – perguntou Laira esperançosa ao capitão.
– Claro que não mocinha. Isto não é um cruzeiro de férias. Iremos cuidar no sentido de dar cabo de vocês – disse com frieza.
As meninas queriam matar a Rosa por tê-las metido naquela enrascada. “Inofensivos, sei, como leões velhos, porém famintos” – pensaram as irmãs enquanto a pirataiada as encurralava em um canto.
– Vejamos, como nós piratas costumamos executar nossos prisioneiros mesmo? – perguntou o capitão para seus subordinados.
– Nós jogamos a comadre neles – sugeriu alguém.
– Não, isso é o que fazemos com a enfermeira – disse outro. – Já sei, nós forçamos eles a verem fotos dos nossos netinhos.
– Também não – disse o capitão, tinha a ver com andar em algum lugar. É, mas não me recordo aonde que era.
– Na praia! – disse Laira reparando nos últimos quinze minutos o Matusalém havia se aproximado bastante do litoral.
– Na praia? Está certa disso? O que pode haver de tão pavoroso numa praia? – perguntou o capitão esforçando-se para não ser logrado.
– Como O QUÊ? – disse Laira dramática. – Quer mais do que toda aquela areia incômoda entrando embaixo da roupa? E o bicho geográfico? Prefiro enfrentar um tubarão a enfrentar um bicho geográfico.
– Pois irá enfrentar o bicho geográfico! – declarou o capitão.
– Oh! O bicho geográfico não! – suplicavam as meninas rindo por dentro. – Por favor, tudo menos... rsrsrs... o bicho geográfico!
– Sinto muito, donzelas, mas temos uma reputação de malvados a zelar. Imaginem se formos denunciados ao sindicato dos piratas. Iriam caçar nossa licença de pirataria. E infelizmente estamos velhos demais para fazermos outra coisa. – explicou o capitão.
– Então tá. Como faremos para chegar até a praia. – disse Laira esquecendo-se de fingir estar apavorada. – Digo, já que não tem jeito mesmo – se corrigiu a tempo.
O Capitão mandou que preparassem um bote. Não foi uma operação fácil, apesar de ser simples, pois aqueles marinheiros não tinham mais o vigor necessário para trabalhar em um navio. E para não atrasar a caçada ao tesouro as meninas se viram obrigadas a se oferecerem para descer o bote até a água e a remá-lo até a praia.
– Estou começando a sentir saudade do tédio, Laira – disse Duda.
– Temos que fazer por merecer o Tesouro – disse sua irmã.
– O quê? Coff! Coff! – perguntou Gagá que fez questão de levar suas prisioneiras pessoalmente até a praia.
– Nada não, Capitão – disse Laira.
– E por que eu nadaria se pedi pra descer o bote. Que donzela tola! – disse Gagá sem entender porque as meninas riam a caminho da morte.
Assim que alcançaram terra firme o Capitão cutucou as irmãs com sua bengala para fora do bote.
– Gostaria de ficar e assistir o bicho geográfico devorá-las, mas tenho um tesouro para guardar – desculpou-se o capitão.
– Não vá esquecer onde o enterrou desta vez – gritou Duda que já ia longe com sua irmã.
Mas o capitão não enterrava mais tesouros, porque nunca se lembrava do lugar. Hoje em dia depositava tudo no banco e depois esquecia a senha.







Cap. 11: “Sorvete por toda parte”

As irmãs Borges estranharam a areia da praia desde a primeira pisada. Não que fossem especialistas em areia de praia, mas sem dúvida alguma havia algo de incomum com aquela.
– Laira – disse Duda com seu cofrinho nos braços.
– Sim? – disse sua irmã sem tirar os olhos do mapa que estudava durante a caminha pela praia.
– É impressão minha ou esta areia é cremosa ao invés de ser fofa?
– Já que tocou no assunto, me parece também que sim. – respondeu Laira parando para pensar a respeito.
– E se observarmos bem não tem grãos. Ela é formada por uma massa, e não é sequer quente, é fria. – acrescentou Duda.
– Não há nenhuma informação sobre isso no mapa, mas estando onde estamos não me surpreenderia se estivermos andando sobre sorvete.
Ao ouvir insinuarem que o solo era comestível o Chouriço saltou dos braços de Duda e mergulhou de focinho abrindo um buraco no chão. Ele sumiu por segundos surgindo dois metros mais a frente. O porquinho estava todo lambuzado e hiper feliz. “Aquele devia ser o céu dos porquinhos”, pensou Chouriço. Duda não resistiu à tentação e provou um tiquinho também.
– Não coma isso! – ralhou Laira.
– Por quê? – indagou Duda chupando um dedo untado com sorvete.
– Ora por quê?! A mamãe não nos ensinou a não comer coisas achadas no chão? – disse Laira sem estar muito certa se a regra se aplicava aquilo.
– Mas o Chouriço pode – alegou Duda.
– O Chouriço é porco... deixa pra lá. Me diga, tem gosto do quê?
– Parece chocolate branco com um leve toque de maçã verde.
– Provavelmente quando a maré está cheia o suco de maça banha essa parte da praia misturando os sabores. Aposto que atrás daquelas dunas o sorvete deve ter um gosto melhor – disse Laira apontando uns morros de sorvete mais para o interior do Continente.
As meninas subiram no alto das dunas e puderam ver quilômetros em todas as direções. Elas viram na beira do mar o Matusalém ainda ancorado na baia, e no lado oposto uma região montanhosa desprovida de vegetação. E lá no horizonte atrás das montanhas despontava um vulcão.
– Segundo o mapa a Ilha Borbulhante fica no vulcão – informou Laira.
– Tá brincando?! A ilha está em um mar de fogo? – perguntou Duda calculando o desafio que teriam pela frente.
– Pouco provável, não faz o estilo deste mundo. Chocolate quente combinaria mais. – disse Laira começando a entender a lógica do lugar.
– Mas como faremos para chegar ao vulcão? Eu diria que estamos a um zilhão quilômetros dele.
– Não seja exagerada Duda, nem a Lua está tão longe. E tem mais, o mapa diz que só temos que encontrar um saco.
– Um saco?
– É, um saco – disse mostrando o desenho de um saco para Duda.
– Mas onde acharemos um saco aqu... !!! hei!!!
Foi tudo rápido demais. Um saco caiu sobre as irmãs e o dia desapareceu. Elas foram ensacadas por alguém enorme e podiam sentir que o gigante corria com elas nas costas. As meninas protestavam sem parar, mas o raptor não diminuía o passo. Meia hora depois a corrida cessou e o saco foi posto cuidadosamente em um piso cascudo.
– Duda, está tudo bem com você? – perguntou Laira se ajeitando.
– Estou dolorida, mas estou preocupada é com a mamãe e com a Daiane. Se chegarmos atrasadas para o jantar elas nos matam.
– “Isso se não virarmos jantar de alguma fera antes” – pensou Laira arrependida de ter exposto sua irmãzinha a tantos riscos.
Mas a sorte não havia abandonado as irmãs Borges. Pois apesar de não conseguirem rasgar o saco logo se viram livres graças a uma ajuda inesperada.
– Duda, cuidado. Tem alguém ou alguma coisa roendo o saco – alertou Laira.
As irmãs se encolheram abraçadinhas e viram o pano ser rasgado e deixar um pouco de luz entrar em seu interior. As meninas juntaram coragem e enfiando as mãos no buraco terminaram de rasgar o saco em dois. Elas brotaram do saco como duas borboletas de seus casulos. E ficaram satisfeitíssimas de ver que quem havia salvado elas era o Chouriço, que estava estirado no chão sem fôlego.
– Coitado do nosso herói – disse Laira abraçando e beijando o porquinho. – Ele seguiu o seqüestrador até aqui e abriu o saco para nós – concluiu a menina.
– Quando encontrarmos o tesouro vamos abarrotá-lo de moedas – prometeu Duda também acariciando o Chouriço. – Mas afinal, onde estamos? – perguntou olhando ao redor.
As meninas estavam em uma caverna espaçosa iluminada por cristais brilhantes com colunas marrons que iam do teto ao chão.
– Ouça Laira, essa caverna tem eco – disse Duda curtindo ouvir sua voz ecoando.
– Silêncio Duda ou irá atrair a coisa que nos raptou – avisou Laira.
Mas era tarde para qualquer cautela. Não um, mas dezenas de ursos saíram de trás das colunas cercando as meninas. Eles eram grandes, pretos e estavam comicamente vestidos com roupões de banho.


Cap. 12: “Todo Guloso”

Um dos ursos saiu do circulo e se aproximou das meninas cobrindo-as com sua sombra. A fera farejou o cabelo de Laira que estava de olhos fechados abraçada com Duda, torcendo ambas para que fosse um sonho ruim e que acordassem imediatamente. Mas se era um sonho então era dos pesados, pois o urso continuava do lado delas com suas presas a meio palmo de suas cabeças.
– Desculpa Duda por ter te colocado em perigo. Eu fui uma péssima irmã. – disse Laira apertando seus braços em volta da irmã.
– Não é culpa sua. Você foi uma boa irmã, mas vê se desaperta o abraço ou vai me matar antes do urso – pediu Duda sufocada.
Ouvindo isso o urso fez cara de intrigado e arreganhou sua boca expondo duas fileiras de dentes enormes e pontiagudos. E caiu na gargalhada. Pra ser sincero, rolou no chão rindo e os demais ursos o imitaram o que irritou as irmãs.
– Tudo bem nos devorarem, é o que se espera de ursos quando encontram menininhas. Mas não precisa tirar sarro! – reclamou Laira ofendida.
– Devorá-las? Não! Nós somos ursos chocolatras. Meninas não fazem parte de nosso cardápio. – explicou o urso que havia se aproximado.
– Vocês só comem chocolate? Não dá dor de barriga em vocês? – perguntou Duda sem estranhar o fato do urso também ter o dom da fala.
– Não somos ursos comuns, querida. Portanto nossos estômagos também não – respondeu uma ursa usando um robe rosa.
– E aonde desenterram chocolate suficiente para alimentar o grupo inteiro – perguntou Laira também curiosa.
– Como adivinhou que desenterramos o chocolate? – perguntou a ursa. – Sério?! – disse Duda admirada.
– Sério. Nós somos ursos mineradores e retiramos nosso sustento da terra, ou melhor, das rochas. Nós escavamos as montanhas do deserto de cristal e pegamos o chocolate que há embaixo delas.
– É como se essas montanhas fossem casquinhas gigantes de sorvete com recheio de chocolate? – perguntou Duda.
– É – confirmou o urso líder tirando um pedacinho crocante do chão. – Cascão, estão vendo? – disse esfarelando o pedacinho de chão.
– Minha nossa! Quem criou esse mundo gostava muito de doces. – comentou Laira. – Mas mudando de assunto, por que nos trouxeram para esta caverna? Já que não foi para nos devorar.
– Tem a ver exatamente com quem criou este mundo – disse a ursa.
– Como assim? – perguntou Laira mais confusa do que nunca.
– Vocês têm um mapa, não tem querida? – perguntou a ursa.
– Talvez – respondeu Laira cautelosa.
– Têm sim, todas as crianças que aportam em nossa praia tem um – afirmou a ursa. – Os mapas variam de tamanho e cor tanto quanto as crianças que os carregam, mas a história termina sempre do mesmo jeito.
– Como? – perguntou Duda. – O tesouro é encontrado?
– Infelizmente não. A história termina com as crianças falhando em sua busca e ficando presas na Ilha Borbulhante. É por isso que nós criaturas habitantes desse mundo decidimos cooperar para ajudar todo novo aventureiro a encontrar o Tesouro. Vocês por exemplo, vieram por mar, terra ou ar?
– Pelo mar – respondeu Laira.
– Então pegaram uma carona no submarino da Rosa. Pela terra seria com o trem centopéia e pelo ar com o dragão de origami. Mas sem carona não ficariam. Chegando ao Deserto de Flocos é nossa vez de dar uma “patinha”. Antigamente nos apresentávamos aos aventureiros e oferecíamos ajuda para cruzar as montanhas através de nossos túneis, mas isso foi antes de ficarmos pelados – disse a ursa envergonhada.
– Bem, eu não ia tocar no assunto por discrição, mas por que mesmo vocês não têm pelo? – indagou Laira.
– Como tinha dito, tem a ver com quem criou este mundo.
– E quem foi?! – perguntou Duda que não agüentava mais o suspense.
– Vocês crianças – declarou a ursa de robe espantando as meninas.
– Nós crianças? – perguntaram juntas um tanto incrédulas.
– Não é obvio? – disse o urso líder. – Toda criança que sai a caça de um tesouro acrescenta um elemento novo na realidade deste mundo. A primeira criança a contribuir para a formação deste mundo foi um menino muito criativo que chegou aqui sem mapa algum. Ele veio criando tudo pelo caminho. Nós o chamamos de o Todo Guloso – disse o urso com tristeza na voz.
– Todo Guloso, é? Engraçado – disse Duda. – Será que não era um porquinho de porcelana? Conheço um que é “todo guloso”.
– Nosso criador também. E nos parece que tinha uma predileção por doces – disse a ursa de robe.
– E o que aconteceu com ele? – perguntou Duda.
– Digamos que ele esqueceu o prazer de brincar e hoje só pensa em dinheiro. Uma pena, pois desde o dia em que ele nos deixou a deriva nenhuma outra criança que entrou em seu mundo conseguiu retornar para sua família. E a falta de alguém para guiar a brincadeira não tem sido nociva apenas para os aventureiros, mas principalmente para os seres que habitam este mundo como nós ursos mineradores. Sem alguém que zelasse pelo bem estar de nosso mundo ele adoeceu e irá morrer em breve. – lamentou o urso líder.

Cap. 13: “O Expresso Borbulhante”

Os homens de pão-de-ló estão mofando. Os rios de mel secaram e viraram pântanos pestilentos. E bombas de chocolate são detonadas em lugares públicos na capital do país – discursava o urso líder fazendo um panorama dos problemas que afligiam sua terra. – No nosso caso é a temperatura que aumentou obrigando-nos a depilação para suportar o calor. O problema é que somos tímidos e nos escondemos para que não nos vejam nus. E quando somos obrigados a falar com alguém, como agora, usamos roupões de banho. Por isso ensacamos vocês, para que não vissem nossas vergonhas. E não dá pra andar de roupão lá fora. Reparam no calor que faz? O sorvete está derretendo e quase só ficou o cascão das montanhas e uma massa compacta na praia. E as avalanches de cobertura têm sido tão constantes que já perdemos metade dos nossos soterrados em calda de morango. – disse a ursa chorando.
– E como toque final, nossas reservas de chocolate suíço esgotaram e estamos sobrevivendo com chocolate de gordura vegetal. – disse o urso líder.
Ao ouvir isto até o Chouriço se comoveu.
– Puxa vida! – disse Duda. – Que história triste, mas adoraríamos ajudar se pudéssemos. Não é Laira?
– Certamente. Só não sei como.
– Simples. Recuperem o Tesouro e nossos mares voltaram a ser limpos e nosso sorvete fofo e abundante. – disse a ursa.
– Então, por favor, nos levem até o vulcão para que continuemos a busca – pediu Laira apanhando o mapa para recomeçar a caçada.
– Vocês já estão no vulcão – informou o urso líder. – Atrás daquela coluna há uma passagem que leva até ao coração da montanha e ao expresso borbulhante. E aconselho a correrem porque está quase na hora de expelir uma bolha, e a próxima só daqui uma hora. – disse o urso líder.
As meninas correram pelo caminho indicado sem se informarem direito que história era aquela de “expresso borbulhante”. Quando Laira saiu no final de um longo corredor quase caiu de um penhasco.
– Cuidado Duda! Os ursos esqueceram de nos avisar que teríamos que caminhar na beira de um abismo – disse Laira agarrando o braço da irmã.
O caminho que levava ao coração do vulcão era externo e circundava a montanha. Não passava de uma trilha estreita com pedras soltas. As irmãs tiveram que atravessar a trilha encostadas no paredão e de olhos fechados para não ficarem zonzas e caírem. A queda seria demorada pela altura e a aterrissagem extremamente desagradável. E cientes disso as meninas mal respiraram durante os cinco minutos que estiveram ali.
– Uau!!!Nós conseguimos!!! – comemorou Laira quando chegaram a entrada de uma outra caverna.
Duda também estava radiante por ter escapado viva de mais aquele obstáculo e até teria pulado de alegria se pudesse, mas não podia.
– Laira, socorro! Estou presa no chão – gritou a caçula esforçando-se para libertar o pé de uma gosma no solo.
– Eu também estou presa Duda.
– Isto é areia movediça? – perguntou desesperada.
– Se fosse estaríamos afundando, mas estamos apenas grudadas como se tivéssemos pisando em...
– Chiclete – chutou Duda.
– E pelo cheiro e cor, diria que é de morango – completou Laira. – Deixe-me pensar em como sair daqui. Nós pod... Duda, você ouviu isso? Parece a voz da nossa irmã.
“Meninas, eu já estou indo trabalhar. Divirtam-se e não brinquem na chuva. Tchau!”
– É a Daiane mesmo – respondeu Duda. – Daiane! Socorro!
Laira ajudou a irmã a gritar pela voz que vinha do céu como um eco muito distante, mas a voz não respondeu. E logo elas desistiram de chamar pela irmã quando suas vozes foram abafadas por outro som.
– Helicópteros? – disse Laira surpresa.
– Só se helicópteros tiverem patas – disse Duda apontando para uma nuvem negra de moscas gigantes no horizonte.
– Onde está nossa guia quando precisamos dela?! – disse Laira brava.
– Ao seu lado – respondeu Rosa sentada em uma pedra mais ao fundo da caverna. – E ai, precisam de ajuda?
– Por favor – disseram juntas.
– Se quiserem sair dai antes que aquelas moscas de padaria do tamanho de hipopótamos cheguem aqui, aconselho que tirem os tênis e pulem pra fora do chiclete – disse Rosa indo para a entrada da caverna.
As irmãs Borges obedeceram prontamente e deixaram seus calçados para trás.
– Agora vão crianças! Eu seguro as moscas pra vocês – disse Rosa tirando um mata-moscas gigante das costas pronta para o combate.
– Tem certeza que pode vencer esses monstros? – perguntou Duda.
– Eu como uma dúzia de monstros como esses no café-da-manh... digo, é modo de falar. Mas o que estão esperando? Vão! E não se preocupem comigo. Não me chamam de Rosas dos Ventos à toa. Ninguém me segura. Isto será fantástico!!! – gritou a moça atacando a primeira mosca que chegou à caverna.
As irmãs obedeceram a guia e correram por um túnel cavado na rocha de cascão, mas estava escuro e ao virar em uma curva deram com o fim do túnel que terminava em um poço profundo e largo com água no fundo, e não puderam parar a tempo. Ambas despencaram mais o Chouriço no poço. Entretanto, elas não chegaram a atingir a água, que não era água coisíssima nenhuma, mas refrigerante que expeliu uma bolha tamanho família que as envolveu no ar e as levou para cima flutuando.
– Vejo nuvens – Duda disse olhando para o alto enquanto a bolha subia ligeira. – Agora vejo uma ilha. – disse ainda olhando para cima.














Cap. 14: “A palavra mágica”

A bolha flutuou e flutuou carregada pelo vento, subindo em caracol até as nuvens. E lá no alto as irmãs Borges conheceram a maior atração daquele mundo: A Ilha Borbulhante. Uma pequena ilha tropical como qualquer outra, a não ser por estar suspensa a cinco mil metros do chão por uma infinidade de bolhas que se juntavam em sua base.
– Duda me ajude a empurrar essa bolha para não ficarmos presas embaixo da ilha. – pediu Laira.
– E se corrêssemos dentro dela como porquinhos-da-índia? – sugeriu Duda.
– Pode ser – disse Laira experimentando com sucesso. – Genial Duda, assim podemos conduzir a bolha para onde quisermos.
– E para onde nós queremos conduzi-la?
– Deixe-me consultar o mapa um segundinho. Pronto, temos que descer nos portões de um templo onde o Tesouro está guardado.
– Tem uma construção antiga no topo daquele morro parecida com o desenho do mapa, só que bem maior – disse Duda fazendo graça.
– É o templo. Prepare-se para descer – disse Laira.
– E poderia me dizer como é que faremos a bolha descer?
– Boa pergunta – disse Laira se apoiando na película para pensar.
Porém, a menina não teve que pensar nem um pouco, pois furou sem querer a bolha com as unhas da mão com que se apoiara. A película transparente estourou e as irmãs caíram sentadas no chão.
– Tivemos sorte de cair em terra fofa – disse Laira batendo a poeira de sua roupa. – Estaríamos mortas se a bolha tivesse estourado no céu aberto.
Porém, as meninas não caíram em terra fofa, mas em um monte macio de mapas do tesouro. Eles tinham diferenças entre si como as irmãs puderam conferir, mas todos terminavam na entrada daquele templo.
– Beleza, finalmente alguém para conversar. – comentou uma voz atrás das meninas que levaram um susto ao ver que se tratava de uma esfinge. Um monstro com corpo de leão, asas de águia e cabeça de mulher. – E aí aventureiras, beleza? – cumprimentou a fera.
– Be-beleza. Eu acho – gaguejou Laira enquanto Duda se escondia atrás dela. – Desculpa, mas a senhora é uma esfinge devoradora de homens? Ou prefere brigadeiros? – perguntou torcendo para que não houvesse monstros carnívoros naquele mundo.
– Srta. Esfinge, por favor, e brigadeiros não, mas aceito um pé-de-moleque se tiver um.
– Não temos pés-de-moleque. – disse Laira.
– Claro que não – disse a esfinge prontamente, mas tem dois pés de menina cada uma, o que é melhor ainda. Ou podem me dar esse porco que a menorzinha leva no colo. A carne deve ser meio dura, mas tenho dentes fortes – disse sorrindo para as irmãs expondo suas presas esverdeadas.
– Espere, se me lembro bem, a senhorita tem que nos propor uma charada. E se acertarmos tem que nos premiar, agora se errarmos viramos ração de esfinge, mas apenas se errarmos. – disse Laira.
– Certo, vou propor uma charada e se errarem já sabem, mas se acertarem vou abrir o templo para que possam pegar o tesouro. E querem saber de uma coisa? Tomara que acertem para que eu possa ir embora, pois já enjoei de ficar plantada na porta desse templo. Mas chega de rodeios, é hora da charada. Prestem atenção que essa é das boas, em mil anos ninguém desvendou: “Para a porta abrir, uma palavra mágica vão ter que descobrir. É uma palavra tão poderosa que com ela podem mover montanhas. Se fossem educadas saberiam”. – disse a esfinge.
– Só? – Não vai nos dar mais pistas? – reclamou Duda.
– Me dá um pedaço do porco que te dou mais uma pista – disse a esfinge.
A menina ignorou a proposta e se afastando um pouco com a irmã dividiram opiniões. Laira queria arriscar “Shasan” e Duda “Abracadabra”, mas por fim entraram em acordo.
– Srta. Esfinge, temos um palpite – disse Laira.
– Não querem pensar um pouco mais – sugeriu a esfinge. – Vocês têm uma chance, não vão desperdiçá-la.
– Pensamos o bastante e a conclusão foi “por favor”. Embora seja duas palavras e não uma, mas como toda charada inclui uma pegadinha: Por favor, Srta. Esfinge, poderia abrir a porta para nós? – pediu Laira sorrindo.
– Demorou mas até que enfim alguém matou essa charada. – festejou a esfinge que bateu as asas e voou para longe sem sequer se despedir das meninas.
A porta do templo abriu sozinha no momento em que a esfinge partiu. As meninas deram uma espiada antes de entrar e viram um salão de pedra com uma arca no centro. Elas iam começar a festejar quando sentiram mãos ossudas segurando seus braços.
– Fico feliz em ver que sobreviveram ao bicho geográfico. – disse o Capitão Gagá acompanhado de sua trupe de múmias.




Cap. 15: “O verdadeiro tesouro”

As irmãs Borges bem que poderiam ignorar os recém chegados, pegar o tesouro e ir embora. O que o Capitão Gagá poderia fazer para impedi-las? Persegui-las com seu andador? No entanto, o mau velhinho tinha um trunfo nas mãos desta vez. Ele trazia uma refém.
– Rosa?! Eu não acredito que você foi capturada por piratas desdentados! – disse Laira ao ver sua amiga acorrentada junto ao capitão.
– Oi pra vocês também meninas. Como têm passado? Aqui estão os seus calçados, tomei a liberdade de recuperá-los depois que esmaguei aquelas moscas, não todas que a maioria fugiu . Moscas covardes! – disse Rosa à vontade como se estivesse se divertindo com a situação.
– Estamos inteiras, por enquanto. E você?
– Eu cortei as unhas faz meia hora, mas fora as unhas também estou inteira. E antes que me esqueça, meus parabéns por terem chegado tão longe. A maioria desiste ou se estrepa antes mesmo de pegar o expresso borbulhante.
– Chega de conversa! Coff! Eu quero meu tesouro! – gritou Gagá.
– O seu tesouro esta logo ali naquela arca. Pode ficar com ele, mas solte nossa amiga e não nos incomode mais. – disse Laira com o consentimento da irmã que também valorizava mais uma amizade do que qualquer tesouro material.
– Não irá me enganar desta vez, donzela indefesa – disse o capitão. – Devo ter instalado uma armadilha na arca e não serei eu a por a mão na cumbuca. Quero que abram a arca e então se permanecerem vivas decidirei o que fazer com vocês. Caso contrário eu forçarei a amiga de vocês a andar na corda bamba. Viram! Nós nos lembramos de como se executa os prisioneiros. – as três meninas abafaram um risinho e contra-mestre do Gagá o corrigiu baixinho em seu ouvido. – Ah? – disse Gagá não entendo bem o que o contra-mestre havia dito. – Entendi, entendi. Esqueçam a corda bamba. Ela andará em uma prancha de surfe, assim que o carpinteiro fizer uma. - sentenciou Gagá se achando muito esperto e cruel.
– Repito Rosa, como foi que se deixou ser capturado por essas figuras? Eles são incapazes de pegar até resfriado. – disse Laira impressionada com a patetice deles, nisso um pirata espirrou para provar que ao menos resfriados eram capazes de pegar.
– Os ursos chocólatras contaram para vocês sobre a origem deste mundo? – perguntou Rosa e as meninas balançaram a cabeça em sinal de afirmação. – Pois é, eu também vim pra cá como uma aventureira, mas não para caçar esse tesouro e sim o meu irmãozinho caçula que se perdeu aqui. Com o passar dos anos conclui que só o teria de volta e só voltaríamos para casa quando alguém terminasse esta história de caça ao tesouro. Por isso tenho me dedicado a ajudar os aventureiros em sua jornada. E nas raras vezes em que uma criança chega ao templo eu me deixo capturar pelos piratas. Não dá para explicar agora, seria contra as regras. Basta que saibam que a presença do vilão na cena final é vital para um grande final.
– Sei não, seus planos terminam sempre com a gente correndo perigo. – disse Laira.
– O Chouriço também não gosta de correr perigo. – disse Duda.
– A escolha é de vocês meninas. Terminem esta história para que possamos começar uma nova, ou se juntem a nós e compartilhem de nossa maldição, tendo que viver a mesma velha e imutável história dia após dia. Pelo menos não terão que sofrer tanto, não creio que este mundo dure por muito mais tempo. No ritmo em que ele se deteriora logo, logo a fantasia terá se desmanchado. E será nosso fim. – disse Rosa séria.
– Quanta bobagem! – disse o Capitão empurrando as irmãs para o centro do salão. – Quem se importa com esse mundo?! Quando recuperar meu tesouro eu poderei comprar quantos mundo me der vontade. Inclusive farei deste um estacionamento. Coff! Coff!
– Capitão Gagá. O Chouriço quer saber como foi que nos alcançaram tão rápido? – perguntou Duda ignorando a cólera do pirata.
– Nada demais, donzela indefesa. Aparecimento súbito em momentos chaves da narrativa é um dom natural de qualquer vilão. – explicou Gagá. – agora abram à arca – ordenou à Laira cutucando-a com sua bengala.
Na tampa da arca havia um molho de chaves com aviso preso nele. Laira pegou o molho e leu a mensagem em voz alta:
“Vocês carregam a chave que concederá o verdadeiro tesouro. Escolham a chave errada e sairá um demônio abissal da arca e comerá seus olhos. Tenha um bom dia”.
– Acho melhor eu esperar na porta vocês recolherem o tesouro. Vocês têm um minuto, um minuto! Coff! – disse Gagá se afastando temeroso.
As meninas examinaram as chaves e para azar delas todas eram iguais.
– Chegamos a um beco sem saída, Duda. Qualquer chave que experimentarmos irá provavelmente libertar o demônio “olhivoro”.
– Talvez a chave correta não esteja no molho – observou Duda.
– Mas onde está então? Esse salão é liso como um espelho, não há onde esconder uma chave. E o minuto já se passou. – disse Laira aflita.
– Mas o aviso diz que nós estamos carregando a chave – lembrou Duda. – Não seria uma pista?
– Sim! Mas é claro! – festejou Laira procurando algo no bolso de sua calça. – Aqui está, a chave da arca da vovó. – disse ostentando uma chave semelhante às chaves do molho. – Feche bem os olhos Duda, pois vou abrir e não custa nada se prevenir. – disse girando a chave na fechadura.
A tampa fez trinc! e abriu liberando uma forte luz colorida que foi clareando aos poucos até ficar pálida como um arco-íris prestes a desaparecer. As irmãs abriam os olhos devagarzinho e espiaram dentro da arca com o coração a mil.
– Isso só pode ser uma piada. – disse Laira decepcionada. – Não pode ser possível que enfrentamos tantos perigos por... por...
– Uma bola! Uma bola colorida – disse Duda animada. – Você não gostou Laira?
– Não é tão encravada de jóias, nem tão dourada quanto eu imaginava – comentou desanimada. – Mas confesso que tão brilhante quanto. Vai ver ela é mágica.
– Mágica? – perguntou Duda.
– É, mágica. De repente tudo faz sentido, Duda. – disse Laira fora de si. – Se eu estiver certa nós descobrimos como salvar este mundo!
– Pena que o Capitão Gagá não ligue para o mundo e não me pareça o tipo de velhinho que gosta de bolas coloridas. – disse Duda preocupada.
– Isso é o que veremos Duda. – disse Laira pegando a bola.
– Hei!? encontraram meu tesouro? Coff! Coff – gritou o capitão. – O tempo acabou. Terei que dar bengaladas na amiga de vocês. – disse o pirata levantando com muito custo sua bengala sobre a cabeça de Rosaa que sorria vendo a bola na mão de Laira.
– Encontramos sim! – gritou a menina jogando a bola bem de leve para o Capitão Gagá.
O pirata acompanhou a trajetória da bola no ar e sua feição foi se modificando. Ele largou a bengala e o andador e matou a bola no peito, fez duas embaixadinhas e a equilibrou na testa, depois passou para o contra-mestre que a fez escorregar de um ombro ao outro passando pela nuca. E assim a bola passeou entre os piratas como se fosse um time profissional de futebol. Quando a bola retornou ao capitão ele não era mais um velho, mas um garotinho de oito anos de cara sapeca fantasiado de pirata. E a mesma metamorfose ocorreu com toda a tripulação do Matusalém.














Cap. 16: “A irmã do Todo Guloso”

– Rosa! Minha irmã! – disse o garotinho para a moça que o abraçava carinhosamente. – Eu havia esquecido de você, eu havia me esquecido de mim.
– Mas eu nunca me esqueci de você, Gabriel! – disse Rosa beijando-o e chorando. – Eu sabia que um dia venceríamos a maldição.
As irmãs Borges e o chouriço aguardaram pacientemente os irmãos matarem a saudade um pelo outro e então chegou a vez delas de serem abraçadas.
– Somos eternamente gratos pelo que fizeram, meninas. – disse Rosa.
– Me perdoem se não fui legal com vocês antes – desculpou-se Gabriel.
– Relaxa pessoal. Foi um prazer ajudar, mas também gostaríamos de rever nossa irmã. Não poderia nos levar para casa em seu submarino Rosa? – perguntou Laira.
– A nossa irmã e nossa mãe devem estar preocupadíssimas conosco. – completou Duda. – E o Chouriço está cansado de aventuras por hoje.
– Eu poderia dar uma carona para vocês – disse Rosa, mas conheço um atalho. Vocês trouxeram um guarda-chuva?
– Serve uma sombrinha? - disse Duda tirando uma de sua mochila suja de farelo de biscoito.
– Vai ter que servir. – disse Rosa. Abram a sombrinha na luz que está saindo da arca e segurem firme no cabo dela e logo estarão em casa.
– E vocês? O que farão? – perguntou Laira.
– Nós temos muito o quê arrumar antes de partir. Temos que limpar o Mar de Esgoto, regular a temperatura e recolher o lixo em geral. E preparar o lugar para os próximos aventureiros. E lembrem-se, serão sempre bem-vindas aqui na... como é mesmo Gabriel que você batizou esse mundo?
– Docelândia – respondeu o garotinho segurando sua bola.
– Não me surpreenda que ninguém use esse nome, Gabriel. Teremos que pensar em um melhor. Mas, agradeço novamente por terem recuperado para meu irmão a infância que ele havia esquecido, e também pelas outras crianças que tiveram o mesmo destino. Providenciarei para que as “Irmãs Borges” nunca sejam esquecidas na Doce... aqui. – concluiu Rosa.
As meninas se despediram e se preparavam para abrir sua sombrinha quando Duda teve uma idéia.
– Laira me passa sua bolsa.
– Pra quê?
– Vamos deixar um tesouro para os próximos aventureiros.
– Mas nós só temos quinquilharias, Duda.
– A quinquilharia de uma criança é o tesouro de outra – disse Rosa que ainda estava por perto. – Nós ficaríamos honrados em receber em nosso templo sua generosa oferta.
– Ok. – disse Laira depositando um monte de coisinhas de sua mochila na bolsa. – Torço para que esses objetos façam outros tão felizes quanto fizeram a mim e a minha irmã.
– Eles farão sim – disse Gabriel. – Mas o verdadeiro tesouro vocês levam consigo.
Então a sombrinha foi aberta e as meninas foram sugadas por um túnel luminoso e multicolorido. Elas subiram por um arco com quilômetros de altura e depois desceram vertiginosamente.
– Laira! Nós estamos escorregando por um arco-íris!?
– Simmmm!!! – gritava a mais velha.
Graças à sombrinha a aterrissagem não foi tão brusca e a grama enlameada do quintal também ajudou a amaciar a queda. Mas em algum momento da descida o mapa para Docelândia caiu do bolso de Laira e foi levado pelo vento para longe.
– Meninas, o que estão fazendo na lama?!?! – gritou a mãe delas que vinha chamar as meninas para se aprontarem para o jantar. – Já para banheiro! Tomem um banho para jantarem. Andando, andando que vai começar a chover de novo.
As irmãs Borges estavam tão contentes de terem retornado ao quintal de casa que não se importaram com a bronca. Elas se limitaram em abraçar a mãe extinguindo-lhe a braveza e sujando-a com lama.
– Eu também amo vocês queridas – disse a mulher correspondendo o abraço das filhas. – Mas até parece que estiveram viajando – comentou.
As meninas trocaram um olhar de cumplicidade e entraram correndo em casa dando risadinhas.








Cap. 17: “Não há lugar como a nosso lar”

“Essas meninas andaram aprontando, mas não há muita coisa que pudessem ter feito no quintal durante uma tarde nublada”, pensou a mulher desviando-se das primeiras gotas de chuva. Ela voltou para a cozinha e terminou de arrumar a mesa. Depois da refeição ela daria um jeito de fazê-las confessarem suas artes. Por hora, estava mais preocupada em vê-las limpas e alimentadas. Pois seu instinto de mãe lhe dizia que as filhas tinham passado por maus bocados nas últimas horas. O que ela sabia ser impossível. Mas quando instinto fala não custa escutar, pensou.
Laira e Duda tomaram um banho longo e reconfortante e foram jantar. E como havia sido contado no início da história a irmã mais velha trabalhava à noite em uma videolocadora e voltava tarde para casa, por isso ela não estava presente na hora do jantar. Enquanto comiam a mãe pressionou um pouco as filhas a contarem como foi que conseguiram lambuzar suas roupas com sorvete sem saírem do quintal, mas as peraltinhas se recusavam a contar a caçada ao tesouro antes que a Day voltasse do trabalho.
Mais tarde, quando o padrasto chegou do trabalho ele também tentou, a pedido da esposa, convencer as afilhadas a revelarem o segredo. Ele experimentou até suborná-las com promessas de doces e um passeio em um parque de diversões, mas por algum motivo que estranhou muito as meninas não queriam ver doces tão cedo e não se interessaram pelo parque de diversões. O padrasto se convenceu de que eram apenas “fases” e foi dormir. Na cama a mãe das meninas refletiu que a Daiane, na idade das irmãs menores, também aparecia às vezes suja de doce sem sair do quintal e nunca conseguia se explicar direito. E o mistério continuaria insolúvel para os adultos. Menos para Daiane que teria uma surpresa.

Quando a moça chegou do trabalho foi direto dar boa-noite as irmãs que encontrou despertas. Elas esperavam a Daiane para contarem à aventura que haviam vivido no mundo dos doces. Aliás, vale a pena comentar que elas comeram suas verduras no jantar sem reclamar e rejeitaram a sobremesa fazendo caretas.
Após o jantar não foram assistir novela como de costume. Elas preferiram ir para o quarto que dividiam e ficaram acordadas em suas camas relembrando detalhes da viagem. E não teriam dormido nem se tivessem bebido um litro de suco de maracujá cada uma, tamanha a agitação causada pelas lembranças.
Tarde da noite a Day chegou fazendo o mínimo de barulho para não acordar as irmãzinhas, mas ao dar um pulinho no quarto delas para vê-las dormindo não as encontrou roncando como previu.
– O que fazem acordadas até agora? – perguntou Day. – Eu imaginava que iriam dormir cedo exaustas de tanto brincar. – disse sentando-se na cama da Duda que pulou em seu colo.
– Nós temos uma história para te contar – disse Duda abraçando-a.
– Uma história para mim? Mas não era eu quem deveria contar uma história para vocês?
– Tanto faz. O importante é que uma história seja contada – disse Laira. – E nós temos uma muito boa.
– Então contem porque estou ansiosa para ouvi-la – falou Day ajeitando o travesseiro da Duda na cabeceira e encostando-se nele.
– Mas você não está cansada? – perguntou Laira.
– Estou sim, mas garanto que minha curiosidade é maior.
As meninas ficaram felizes em ouvir isso e deram início à história.
– Hoje à tarde encontramos no meio das bugigangas da vovó um mapa do tesouro...
– Um mapa!? – exclamou quase rindo.
– Sim, um mapa antigo que mostrava o caminho para um tesouro esquecido por um pirata muito engraçado chamado Capitão Gagá – explicou Laira.
– Capitão Gagá? Que nome para um pirata! – comentou achando graça da seriedade com que sua irmã contava a história. – E onde está esse tal “Mapa do Tesouro”? Eu gostaria de vê-lo – pediu a moça.
– Houve um incidente na hora de voltarmos para casa e perdemos o Mapa. O vento tomou o mapa da minha mão e o levou embora. – e ao lembrar-se disso Laira mudou a expressão se entristecendo.
– O que foi Laira? – perguntou a moça quase se deixando trair, já que ia dizendo que não havia problema terem perdido o mapa, pois ela podia fazer outro facilmente, mas se conteve a tempo. – Por acaso, vocês perderam o mapa antes de encontrarem o tesouro?
– Não é isso – respondeu Duda pela irmã. – É que a Laira acha que você não vai acreditar na gente sem prova. Até temos o Chouriço como testemunha, mas ele fica tímido na frente de estranhos e não se mexe – disse pegando o cofrinho remendado que repousava sobre o criado mudo.
Daiane não entendeu muito bem a referência àquele porquinho acidentado que nunca havia visto antes.
– Eu acredito sim! porque sei que minhas irmãs não são mentirosas. O que importa na realidade é que vocês acreditam. - Laira e Duda sorriram satisfeitas pelo apoio moral da irmã. – Mas e aí? Vocês encontram um mapa e o que mais? – perguntou Daiane.
As irmãs Borges retomaram a narrativa juntas e às vezes se atrapalhavam com algum detalhe como a quantidade de piratas ou o tamanho das moscas de padaria. E a versão de uma diferenciava muito da outra, o que no final das contas só enriqueceu a experiência, pois em vez de uma única história haviam retornado com duas.
A irmã mais velha ouviu tudo atentamente e prometeu a si mesma que na manhã seguinte poria aquela aventura no papel para que jamais fosse esquecida e outras crianças um dia pudessem desfrutá-la também. Esse foi o último pensamento que a moça teve antes de adormecer na cama de sua irmã caçula.
As meninas perceberam que a Daiane dormira, e após alguns bocejos resolveram também dormir; mas primeiro deram um beijo cada uma na testa da irmã que disse “Chega de sorvete, eu não agüento mais sorvete” provocando risos nas irmãs que abafaram as bocas com as mãos.
– Boa-noite Duda! – disse Laira apagando o abajur do lado da sua cama mergulhando o quarto na penumbra.
– Boa-noite Laira! – disse a caçula apagando o seu abajur deixando o quarto completamente escuro a não ser pelos raios que iluminavam a janela. – E boa noite pra você também Chouriço! – se lembrou Duda.
– Ronc, ronc! – ouviram as meninas e então adormeceram.







Prólogo

Em outra casa, em outro quarto, outras crianças ainda estavam acordadas assustadas com os trovões.
Braaammm!!!
– Nossa!!! Esse caiu muito perto – disse um menino escondido debaixo de seu cobertor. Ele falava com o irmão mais velho na parte de cima do beliche que dividiam. – Júlio, posso deitar com você? – perguntou levantando-se e subindo pela escadinha do beliche.
– Melhor não Daniel, o beliche vai quebrar – disse ao caçula sem tirar sua cabeça debaixo do travesseiro.
– Não vai quebrar não – insistiu o garotinho.
– Vai sim. Agora volta pra sua cama antes que o bicho pap...!!!
Braaammm!!! Trekkk!!!
Os irmãos se encolheram apavorados com o estrondo de trovão seguido do barulho da janela aberta pelo vento. O Daniel só não caiu do beliche com o susto porque seu irmão segurou o seu braço. Eles ficaram olhando assustados a janela se debater e a chuva inundar o chão do quarto.
– Temos que fechar a janelas antes que nossos pais acordem e nos deem uma bronca – disse Júlio pulando do beliche.
O seu irmãozinho o seguiu e ambos molharam os pés descalços na poça formada pela chuva. Júlio segurou as duas abas da janela e as juntou para passar o trinco. Mas nesse meio tempo uma coisa parecida com um morcego entrou no quarto debatendo-se por cima das cabeças dos irmãos.
– Júlio, o que isso?! – perguntou o caçula choroso.
– É um morcego-vampiro – disse Julio maldosamente, mas vendo que seu irmão iria chorar desmentiu. – Deixa de ser molenga Daniel, isso daí não é um morcego. É só um jornal velho pego na tempestade, só não sei como não se desmanchou na chuva. – disse o garoto recolhendo a coisa que caíra na cabeceira de sua cama.
Os garotos acenderam a luz do quarto e se sentaram na cama do menorzinho para examinar o achado. Por incrível que pareça a chuva não havia estragado a folha, não mais do que sempre esteve desde o instante em que derramaram café de propósito sobre ela.
– Parece um mapa – disse Daniel.
– É um mapa – confirmou Júlio. – Um mapa do tesouro – acrescentou.
– Um mapa do tesouro!?! – repetiu Daniel com olhos brilhando.
– Não se empolgue tanto Daniel. Isto deve ser apenas um mapa de faz-de-conta que alguém perdeu e o vento trouxe – explicou Júlio.
– Eu não tenho nada contra ele ser de faz-de-conta – disse o caçula.
– Nesse caso, saiba que o mapa diz que quem quiser encontrar o “Tesouro das Estrelas” deve começar indo à Lua. E mesmo que tivéssemos um foguete, como pode ver – disse apontando para a janela – esta noite não há Lua apenas nuvens carregadas de chuva.
Daniel pegou o mapa e caminhou desconsolado até a janela e ficou observado o tempo fechado lá fora e desejou que a chuva parasse e a Lua aparecesse. E o seu pedido foi atendido, a chuva interrompeu sua queda subitamente e as nuvens se afastaram exibindo no céu a maior e mais prateada Lua Cheia que qualquer criança já vira.
– Júlio, acho que agora só temos que arranjar um foguete – disse o pequenino para o irmão que abriu a janela sem fala.
E do alto desceu enfrente a janela uma escadinha de corda com uma moça pendurada nela. A escadinha descia de um balão no formato de um disco voador gigantesco e brilhante. A moça estava sorridente e assim que conseguiu se equilibrar no batente da janela disse:
– Olá rapazes! Eu sou Rosa dos Ventos e espero que estejam preparados para uma lonnnga noite de aventuras. Confie em mim e não vão se arrepender – e deu uma piscadinha sapeca.
E as crianças não se arrependeram.