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sábado, 5 de setembro de 2009

Conto: A Dama do Refeitório

Foi uma daquelas experiências constrangedoras que nos pegam desprevenidos. Eu não esperava encontrar ninguém em especial ao ir almoçar no restaurante da faculdade. Meu plano era simples: engolir a refeição e correr para o alojamento e preparar o seminário de lingüística que estava atrasado. Mas o Destino decidiu improvisar comigo; ele tinha que coloca-la diante de mim para atrapalhar o meu dia. Aqueles foram 44 minutos que não desejaria nem para meu maior inimigo.
Ela se aproximou com um grupo de amigas segurando bandejas fumegantes.
– Meninas me desculpem, mas acabei de ver um amigo com quem não fa...
– Tá certo Júlia. A gente entendeu – cortou uma de suas colegas com cinismo.
– Tenha um bom almoço com seu amigo – disse outra pontuando a frase com uma piscadela.
A Júlia respondeu aos comentários com um palavrão dito baixinho e que provocou risinhos em suas colegas que se afastavam de minha mesa. Eu ainda não sei por que me dei ao trabalho de apurar os ouvidos e ouvir a conversa delas. Devo ter pressentido o constrangimento pairando no ar.
– E aí? Como vai? – disse a Júlia de pé ao meu lado.
– Bem – respondi secamente.
– Posso me sentar com você?
– Sim.
Ela se acomodou e iniciou um dialogo unilateral comigo; no qual eu não passava de um muro que rebatia seus comentários com “sim, sim, oh não, sim, sim” dissimulados. E a partir do instante em que a Júlia começou a falar não lembro de ter comido mais. Eu também esqueci do horário e de minhas obrigações. A minha realidade se resumia aquela moça tagarela a minha frente.
– Você mudou bastante desde a última vez que nos vimos – disse Júlia.
– É – respondi.
– Mas continua falante pelo visto – ela zombou.
– É – respondi sorrindo.
Ela sorriu por reflexo e pude ver quase todos os seus dentes que mereceriam ser descritos em versos se não estivessem tingidos pelo suco de groselha e enfeitados com fiapos verdes. Eu não sorri mais e ela me imitou para meu alívio, pois estava ficando zonzo com o movimento hipnótico de seus lábios.
– Algum problema? – ela me perguntou apreensiva.
– Nenhum – menti.
– Certeza? Não quer me dizer nada?
Eu queria sim, como queria. A pergunta coçava na minha garganta, mas não tinha coragem para proferi-la. Compreendam que eu era um rapaz extremamente tímido e especialmente na presença do sexo feminino. Mas era apenas a timidez que me emudecia, também havia a curiosidade de ver o que a Júlia faria a seguir.
– Vamos, diga o que está te incomodando. Você sabe que pode confiar em mim – disse pegando as minhas mãos e segurando-as com força.
O toque dela causou uma reação química sobrenatural me transformando em algo com a consistência de algodão doce.
– Uau! Você virou um pimentão – ela sentenciou com um tom malicioso.
– Não foi nada, acho que a comida está muito quente, só isso.
– Mas você está beliscando sua salada e omelete faz meia hora – retrucou ainda mais maliciosa divertindo-se em me embaraçar.
– Eu quis dizer que está apimentada demais. Como vai sua família?
– Quê? Minha família?
A Júlia ficou tão atrapalhada quanto eu ao ouvir a palavra família jogada de súbito sobre ela. No meu desespero por mudar de assunto devo ter tocado em um ponto delicado, dar chutes fora era minha especialidade.
– Você sabe que eu não gosto de falar da minha família – disse magoada.
– Desculpa, não tive a intenção de chateá-la.
– Não sei não, você está esquisito. Pensei que ficaria feliz de me rever depois de tanto tempo, mas desde que sentei aqui você tem agido com frieza.
Droga! Ela havia me posto contra a parede. Realmente havia algo errado comigo, sempre houve. Eu era o tipo de homem que se cala não hora em que deve falar, o tipo de cara que perde as boas oportunidades que a vida oferece. Se eu fosse um tiquinho corajoso teria desabafado tudo aquilo que me atormentava. Mas não, estava escrito que mais uma vez tentaria adiar meu inevitável triste fim.
– Que tal falar sobre o meu ex ou do meu cachorro que foi atropelado na sexta série? – prosseguia Julia quase chorando.
Enquanto isso eu me perdia em reflexões a respeito da dificuldade que temos em ser-mos francos quando necessário. Infelizmente, não pude impedir que a cena de um vira-lata de mochila sendo atropelado na saída da escola canina me provocasse um leve riso. Foi o suficiente para entornar o copo de cólera da moça. Ela se levantou e saiu do refeitório me acusando de ser insensível. Observei que ela não tinha recolhido a sua bandeja como mandava as regras da casa e conclui que era um pouco insensível sim. Mas minha insensibilidade não era o problema, o problema era eu não ter feito a maldita pergunta na hora certa. E se eu fosse totalmente insensível não teria corrido atrás dela para corrigir meu erro.
O refeitório estava cheio e as pessoas achando que se tratava de uma briga entre namorados torceram por mim – por pura zombaria – quando sai disparado atrás da Júlia. Eu pensei “Merda! Minha paranóia agora virou histeria coletiva”. E realmente, meus colegas ainda se lembram da cena. E fora do refeitório a história atingiu seu ápice.
Eu alcancei a Júlia já bem distante em uma alameda. Ela enxugava sua dor com um guardanapo de papel e resistiu em querer me ouvir. Eu tive que vencer toda minha timidez para prendê-la em meus braços e força-la a me ouvir. Nesse ponto acho que exagerei, mas como já dei a entender sou péssimo com as mulheres.
– Júlia me desculpa pela forma como te tratei no refeitório, mas é que...é que...
– É o quê?! Desembucha!
Então eu abri as comportas e deixei que minhas palavras inundassem seus ouvidos desmanchando seus castelos de areia.
– De onde mesmo que eu te conheço?
O véu foi rasgado e pude ver a verdade e a vergonha se misturando nos olhos da moça que segurava a um beijo de distância. Ela me empurrou e antes que eu recuperasse o equilíbrio recebi um tapa nas fuças que cai em cima de um canteiro de rosas pontiagudas. Nunca mais a vi
Bem feito para mim por não ter prestado atenção à canção e ter sido sincero como não se pode ser.

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