Romeuzito havia perdido o apetite no dia em que os novos vizinhos mudaram para a casa ao lado. E os pais desconfiaram que a responsável pelo adoecimento do guri fosse uma rosa do jardim ao lado; pois o casal reparou que a família recém chegada tinha uma princesinha de doze anos. A qualquer hora do dia que a encontravam, fosse brincando na calçada, no shopping ou na saída da escola, a menina estava impecável de vestido florido e sapatinhos lustrosos. As flores da fazenda mudavam diariamente, assim como a cor dos sapatos. Apenas o perfume doce e suave permanecia inalterado.
Os pais do Romeuzito se apaixonaram pela menina a primeira vista e, portanto, compreendiam que com o filho o encanto da jovem vizinha seria ainda mais intenso. E também sabiam por experiência própria que o amor não poupa nem mesmo crianças de doze anos. E mais, não havia essa de amor inocente. O amor é cruel e traiçoeiro e quanto mais vulnerável o coração, mais impiedoso é o sentimento. E tudo indicava que o filhinho deles era a mais recente vitima do Cúpido no bairro.
Com o passar dos dias o apetite do menino piorou e ele não falava mais. Na hora das refeições era com muita relutância que engolia duas ou três colheres de qualquer coisa e nenhum pio. Não assistia mais desenhos, perdera o interesse pelos gibis e games. Não pedia mais por passeios no shopping, praia ou cinema. Sua vida era ir à escola de manhã com evidente má vontade, retornar a tarde e se confinar em seu quarto.
A janela do quarto dava para o quintal da casa vizinha o que colaborava para a tese dos pais de que o filho passava a tarde observando a amada. O pai até tentou ter uma conversa de “homens” com o filho, mas só conseguiu gaguejar na hora. A mãe, muito mais pratica recorreu a uma estratégia drástica: convidou os vizinhos para um churrasco. Ela lançaria o filho na cova da leoa e torceria para que seu homenzinho resolvesse seus problemas amorosos por conta própria.
O Romeuzito foi quase tão enfeitado para o churrasco quanto à menina. Um perfeito casal em miniatura de bolo de casamento. Infelizmente, o garoto não se mexia nem falava, ignorando completamente a presença de sua julieta. Os pais desesperados tentaram incentivar a menina a puxar conversa com o filho deles. “Peça a ele para te mostrar seus troféus de judô”. Mas a menina achou melhor não perturbá-lo e alertou aos adultos que o garoto estava encharcado de suor e branco com um fantasma.
Uma hora depois os pais recebiam um pito no corredor de um hospital. Uma médica queria saber como os dois não foram capazes de perceber que o filho estava doente. Segunda a doutora a criança sofria de uma infecção generalizada, mas tratável.
No final o Roemuzito escapou sem seqüelas e vive bem e ainda solteiro aos doze. Quem não escapou ileso foi o orgulho de seus pais. E para diminuir o mico diziam um para outro que o filho levava a sério demais esse lance de morrer de amor.
Espaço destinado para contos, fanfics,crônicas e comentários a respeito de Literatura, TV e Sétima Arte. Todos os textos são de autoria de MLMAnjos. Críticas e sugestões são bem vindas, principalmente quanto à correção gramátical.Obs:os textos postados aqui estão em constante reformulação.
Seja bem-vindo ao mundo de Acalanto!
Caso goste de algum dos textos postados por mim saiba que estão liberados para qualquer espécie de publicação, desde que se observe as seguintes condições: 1ª citar autor e fonte, 2ª não alterar o texto, 3ª apenas para fins culturais, 4ª não associar a ideologias e 5ª me informar antes.
Agradeço pelo tempo dedicado as minhas histórias que de agora em diante pode considerar como nossas.
Agradeço pelo tempo dedicado as minhas histórias que de agora em diante pode considerar como nossas.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Conto: O Aparelho de Tortura
Ainda não compreendo como sobrevivi àquela tarde. No início, logo após acordar, pensei que tudo não passara de um pesadelo. Mas a dor que despertava e se espalhava pelo meu rosto era bem real. Não pude conter as lágrimas que saiam à medida que as lembranças chegavam. Devagar o quadro funesto tomava forma em minha mente. Lutei para manter as horas malditas aprisionadas em meu inconsciente, mas elas romperam o bloqueio mental e desceram quentes pela minha face.
Lembro que me trouxeram a força em um carro. Eu perguntei ao homem que dirigia, meu próprio pai, para onde estava me levando. “Você sabe” dizia sem desviar o olhar do trânsito. Sim, eu sabia. Eu sabia para onde ia e o que esperava por mim. Não seria minha primeira vez, talvez com sorte eu não sobrevivesse e fosse a última. E nunca mais eu seria submetido à dor e a humilhação.
Já fazia cinco anos que ao menos uma vez por mês era pego, colocado no mesmo carro e levado ao mesmo endereço. Meu drama não era nenhum segredo e expunha minhas cicatrizes em público sem pudor algum.Todos na cidade sabiam o que estava acontecendo e meus colegas zombavam de mim. Mas ninguém fazia nada a respeito. Não era problema deles. Não se importavam comigo, não havia motivo para tanto, pois o sangue derramado não era deles e nem dos seus, mas de um completo estranho. Não os reprovo, eu também preferiria que outro houvesse me substituído em meu calvário.
Eu já havia desistido de resistir, não gritava e não me debatia mais, apenas seguia meu pai pelo corredor até o cubículo de sempre. Atravessar aquele corredor era como adentrar em meu próprio corpo e encarar os vermes que esperam ansiosos para devorar-me a carne. Quem me dera tivesse o consolo de uma venda que desnorteasse meu temor, que me desse tolas esperanças de que desta vez seria diferente, que atrás da maldita porta me aguardasse um bolo de aniversário, um filhote peludo ou ao menos um buraco negro para me tragar. Mas não, do outro lado, o pesadelo outra vez.
O cubículo era uma ratoeira sem cor com uma cadeira dura e fria posta no centro. Era o meu trono, meu lugar de honra na mesa. Meu anfitrião na câmara dos horrores era um homem branco como um espírito desencarnado usando uma mascara que deixava apenas seu olhar homicida de fora. Ficávamos a sós para os seu deleite. E enquanto ele se divertia as minhas custas, eu fugia flutuando para longe soprado pelo vento como uma folha morta. Pobres músculos e ossos que não tinham escolha e eram forçados a participar passivamente dos jogos sádicos de meu algoz.
Às vezes a sessão durava meia hora, quarenta minutos; às vezes mais. As agulhas trabalhavam em meus nervos e as pinças beliscavam a massa vermelha e pulsante do meu ser. O cheiro do ácido corroia minhas narinas e a luz forte queimava minhas retinas. A posição que eu era obrigado a ficar somada ao ranço das substâncias estranhas que escorriam por minha garganta abaixo me causavam náuseas. O pior era não poder gritar, não poder manifestar o horror de ver partículas de cálcio voando pela sala, meus ossos pulverizados subindo como vapor da minha boca muda, vazia de linguagem e transbordante de asco.
Era tão vasta a variedade de ferramentas que desfilavam pelo meu rosto. Seus nomes eram misteriosos e exóticos como o nome de demônios. Brinquedos frios e afiados que me desfiguravam, exploravam, desmontavam e remodelavam. O carrasco acocha os arames e meus dentes trincam, mais um pouco e extrairia minha alma pela raiz. Na hora sentia apenas medo, o resto era paralisia. A dor física vinha depois quando retornava de meus devaneios ou despertava de um abençoado desmaio como desta vez. Mais tarde vem a humilhação.
Eu apalpo meu rosto e meus dedos não encontram a máscara de ferro. Seria possível que tivessem removido meu maior suplício? Corra ao banheiro e contemplo minha imagem no espelho livre da parafernália de arames e ganchos. Oh, meu Deus! Teria terminado a era do cabresto de elástico, lábios lacerados e dentes doloridos? Minha gengiva nunca mais sangraria e as pessoas não zombariam mais de mim?
O garoto no espelho chora de alívio. E antes que eu vá confirmar com meus pais se os passeios ao dentista estão encerrados dou uma bela examinada no sorriso. Dentes perfeitos, vida refeita. Saio satisfeito e convencido de que o sacrifico valeu a pena.
Lembro que me trouxeram a força em um carro. Eu perguntei ao homem que dirigia, meu próprio pai, para onde estava me levando. “Você sabe” dizia sem desviar o olhar do trânsito. Sim, eu sabia. Eu sabia para onde ia e o que esperava por mim. Não seria minha primeira vez, talvez com sorte eu não sobrevivesse e fosse a última. E nunca mais eu seria submetido à dor e a humilhação.
Já fazia cinco anos que ao menos uma vez por mês era pego, colocado no mesmo carro e levado ao mesmo endereço. Meu drama não era nenhum segredo e expunha minhas cicatrizes em público sem pudor algum.Todos na cidade sabiam o que estava acontecendo e meus colegas zombavam de mim. Mas ninguém fazia nada a respeito. Não era problema deles. Não se importavam comigo, não havia motivo para tanto, pois o sangue derramado não era deles e nem dos seus, mas de um completo estranho. Não os reprovo, eu também preferiria que outro houvesse me substituído em meu calvário.
Eu já havia desistido de resistir, não gritava e não me debatia mais, apenas seguia meu pai pelo corredor até o cubículo de sempre. Atravessar aquele corredor era como adentrar em meu próprio corpo e encarar os vermes que esperam ansiosos para devorar-me a carne. Quem me dera tivesse o consolo de uma venda que desnorteasse meu temor, que me desse tolas esperanças de que desta vez seria diferente, que atrás da maldita porta me aguardasse um bolo de aniversário, um filhote peludo ou ao menos um buraco negro para me tragar. Mas não, do outro lado, o pesadelo outra vez.
O cubículo era uma ratoeira sem cor com uma cadeira dura e fria posta no centro. Era o meu trono, meu lugar de honra na mesa. Meu anfitrião na câmara dos horrores era um homem branco como um espírito desencarnado usando uma mascara que deixava apenas seu olhar homicida de fora. Ficávamos a sós para os seu deleite. E enquanto ele se divertia as minhas custas, eu fugia flutuando para longe soprado pelo vento como uma folha morta. Pobres músculos e ossos que não tinham escolha e eram forçados a participar passivamente dos jogos sádicos de meu algoz.
Às vezes a sessão durava meia hora, quarenta minutos; às vezes mais. As agulhas trabalhavam em meus nervos e as pinças beliscavam a massa vermelha e pulsante do meu ser. O cheiro do ácido corroia minhas narinas e a luz forte queimava minhas retinas. A posição que eu era obrigado a ficar somada ao ranço das substâncias estranhas que escorriam por minha garganta abaixo me causavam náuseas. O pior era não poder gritar, não poder manifestar o horror de ver partículas de cálcio voando pela sala, meus ossos pulverizados subindo como vapor da minha boca muda, vazia de linguagem e transbordante de asco.
Era tão vasta a variedade de ferramentas que desfilavam pelo meu rosto. Seus nomes eram misteriosos e exóticos como o nome de demônios. Brinquedos frios e afiados que me desfiguravam, exploravam, desmontavam e remodelavam. O carrasco acocha os arames e meus dentes trincam, mais um pouco e extrairia minha alma pela raiz. Na hora sentia apenas medo, o resto era paralisia. A dor física vinha depois quando retornava de meus devaneios ou despertava de um abençoado desmaio como desta vez. Mais tarde vem a humilhação.
Eu apalpo meu rosto e meus dedos não encontram a máscara de ferro. Seria possível que tivessem removido meu maior suplício? Corra ao banheiro e contemplo minha imagem no espelho livre da parafernália de arames e ganchos. Oh, meu Deus! Teria terminado a era do cabresto de elástico, lábios lacerados e dentes doloridos? Minha gengiva nunca mais sangraria e as pessoas não zombariam mais de mim?
O garoto no espelho chora de alívio. E antes que eu vá confirmar com meus pais se os passeios ao dentista estão encerrados dou uma bela examinada no sorriso. Dentes perfeitos, vida refeita. Saio satisfeito e convencido de que o sacrifico valeu a pena.
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